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A importância da arte na formação de professores

Qual é o lugar da arte na Licenciatura em Pedagogia? Qual é a importância da arte na formação de professores? A resposta para estas perguntas se fortalece em um momento em que novas diretrizes sobre a educação, e consequentemente, sobre a formação docente, se colocam na Educação Infantil e Ensino Fundamental a partir da Base Nacional Comum Curricular, promulgada em 2017. A BNCC sugere caminhos para ampliar o acesso dos alunos a experiências estéticas nas aulas de Arte, colocando todas as crianças como protagonistas, podendo expressar seus sentimentos e sua criatividade por meio do processo artístico.  

Essas também são algumas das reflexões feitas pelos pesquisadores Paulo Focchi, Diana Tubenchlak e a diretora da faculdade Rudolf Steiner, Melanie Mangels Guerra, que comentam a maneira como os cursos de pedagogia constroem conhecimentos sobre arte em seus currículos. 

Em entrevista à Revista Educação em 2013, Jorge Larrosa, professor de Filosofia da Educação na Universidade de Barcelona, estabelece que arte não é ferramenta, instrumento. “A arte é um meio puro e não algo que sirva para um fim exterior. A tarefa principal de um educador é fazer com que o mundo seja interessante. Nada mais do que isso. A arte é o que nos traz a carga sensível do mundo. A arte é o mundo como cor, como som, como textura, como rugosidade. É como se a arte abrisse a pele do mundo e, portanto, a arte oferece o mundo sensível e não tanto o compreensível. Se a educação tem a ver com relacionar as crianças ao mundo, essa carga sensível do mundo é fundamental. Mas não porque é separada de outras coisas, senão porque é fundamental. O mundo é sensível.” 

“A arte é um meio puro e não algo que sirva para um fim exterior. A tarefa principal de um educador é fazer com que o mundo seja interessante” 

Em consonância com este pensamento, a Faculdade Rudolf Steiner, localizada na cidade de São Paulo (SP), especializada em Pedagogia Waldorf, considera que a formação de um professor não pode ser unidirecional, ou seja, não pode ser uma formação apenas cognitiva: “É uma formação que precisa atingir este futuro professor de uma forma integral. Uma formação que trabalhe naturalmente a reflexão, a crítica, os valores, tudo do que está envolvido com cognitivo, com pensamental, mas também com o sentimento. Com essas tão conhecidas e faladas hoje, competências socioemocionais”, afirma Melanie Guerra, coordenadora do curso de graduação e mestre em Educação pela Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo). 

A consultora em arte-educação Diana Tubenchlak trabalha formando professores em escolas, projetos sociais, ONGs, museus e espaços culturais desde 2001. Ela acredita nas várias linguagens da arte como um alimento para educação como um todo. “Podemos pensar tanto nas relações do fazer artístico, quando os professores criam seus trabalhos, como o quanto este gesto da criação pode contribuir também para as práticas pedagógicas, para as criações dos seus planos de aula, e também na ideia do professor como espectador da arte”, expõe. 

“Podemos pensar tanto nas relações do fazer artístico, quando os professores criam seus trabalhos, como o quanto este gesto da criação pode contribuir também para as práticas pedagógicas, para as criações dos seus planos de aula, e também na ideia do professor como espectador da arte” 

E como espectador de arte, Diana fala sobre o que o professor consome também quando não está em sala de aula. Trabalhando em museus, ela recebia professores para discutir arte contemporânea e a reverberação das práticas educativas dos museus nas escolas. “Eu penso justamente na contribuição dessa vida artístico-cultural dos professores e professoras para o desenvolvimento das suas práticas pedagógicas”, conta. 

Diana é fundadora também do projeto ”Embalada Arte Educação”, em que realiza ações para professores e educadores, além de atividades para bebês com suas famílias. A partir dessas vivências, ela faz um convite para que professores sejam autores de suas proposições artísticas. 

Como trabalhar com arte na primeira infância?

De que maneira podemos criar uma interface entre pedagogia e arte nas atividades com bebês? 

No livro “Arte com bebês” Diana Tubenchlak apresenta diferentes propostas de ações artísticas com bebês, explorando o potencial pedagógico de espaços e materiais com base em pressupostos da multissensorialidade. Cores, texturas, aromas, sabores, luz, sombra e objetos tridimensionais tornam-se instrumentos para estimular os sentidos. Dentre as sugestões para os educadores elaborarem suas atividades, estão a produção de tintas artesanais, a reutilização e deslocamento do uso tradicional de objetos, a utilização de elementos da natureza, assim como a composição de novos espaços arquitetônicos. 

E como é que a gente faz arte? O dia a dia no curso de pedagogia 

Na faculdade Rudolf Steiner, os futuros professores experimentam música, canto, dança,  ginástica, pintura, aquarela, carvão, desenho, pintura. “Todas essas técnicas são realizadas e esses diferentes âmbitos artísticos são estimulados durante o curso”, conta Melanie. 

A diretora afirma que o contato com estas possibilidades também traz outro aspecto importante de ser trabalhado na vida do estudante de pedagogia: o autoconhecimento. “Muitas vezes ele pensa bastante, mas não sabe como lidar com tricô, com crochê, com desenho, ou com cores. Inicialmente, é como um conhecer-se, um momento para olhar para si e conhecer os recursos dentro dele para se expressar no mundo”. Para ela, esta é a primeira fase, a da sensibilização, para depois poder brincar, cantar e desenhar com as crianças. “E essa sensibilização que acontece por meio da arte, deixa este educador mais sensível e pronto a olhar tanto pras crianças, como pro mundo. Ele enxerga o mundo de outra forma, mais preparado para atender, lidar, trabalhar, vivenciar o dia a dia com as crianças numa sala de aula”, completa. 

Alunos de pedagogia da Faculdade Rudolf Steiner fazem trabalho de aquarela (Crédito: Natálha Rodovalho)

Educação e cultura não são elementos separados. Então, um professor com repertório cultural amplo e diverso consegue trazer conhecimento para a sala de aula. “Nós temos uma carga horária bastante ampla, para que os alunos, ao longo desses quatro anos, também participem de atividades de ampliação cultural em museus, cinemas, em saraus, em teatro”, relata a diretora. 

“Quando a gente fala de formação em estética, como a própria palavra convoca, é da ordem da estesia [capacidade de perceber sensações]. Então, não é do plano discursivo que a gente faz isso, conversando sobre estética, lendo livros de estética. Também passa pela experiência estética do professor, da ideia de estesia” 

Na avaliação do educador Paulo Fochi, as disciplinas vinculadas ao campo estético da arte são muito poucas ou inexistentes na formação do professor nas faculdades brasileiras. Em sua experiência, o público da pedagogia tem um acesso mitigado a equipamentos culturais ao ingressar no curso de pedagogia. “Boa parte das minhas alunas nunca assistiram a um filme com uma narrativa mais complexa, muitas delas nunca visitaram uma exposição de arte. Por isso, é preciso uma formação estética que vai sendo construída ao longo do curso”, diz. 

Fochi é professor de pedagogia e coordenador do Curso de Especialização em Educação Infantil da Unisinos, em Porto Alegre (RS), que possui em seu currículo disciplinas fechadas para formação estética. “Quando a gente fala de formação em estética, como a própria palavra convoca, é da ordem da estesia [capacidade de perceber sensações]. Então, não é do plano discursivo que a gente faz isso, conversando sobre estética, lendo livros de estética. Também passa pela experiência estética do professor, da ideia de estesia.”  

Trabalhos de pintura com giz feitos por alunos da pós-graduação da Ensino Fundamental Waldorf (Crédito: Natálha Rodovalho)

Em tempos de isolamento social e com as crianças fora da escola devido a pandemia, crianças e educadores estão tendo que se aventurar a criar possibilidades de fazeres artísticos dentro de casa. “Eu tenho mobilizado os meus alunos a pensar a casa deles como laboratório estético”, relata o educador.  

Em uma dessas aventuras, nasceu o projeto Infância Em Verbo, uma página no Instagram, criada pela aluna Marjóri Dieter, dedicada a propor investigações para bebês e crianças enfatizando a relação com o natural e cotidiano. “Ela vai fazendo proposições para as famílias explorarem a casa a partir de verbos disparadores. Ela mostra como fomos vivendo ao longo da disciplina essa relação estética com a casa. Para mim, é da formação estética  saber essa situacionalidade, para pensar proposições, em relações estéticas das crianças com as suas casas”, finaliza.  

Autora: Mayara Penina

* Conteúdo produzido e editado pelo Porvir.  

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