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Como professores podem se tornar designers de aprendizagem

Como ajudar os educadores a se enxergarem como designers de aprendizagem? Essa pergunta mobiliza memórias muito significativas para mim, especialmente do período em que acompanhei de perto a formação de educadores “maker”. Dispostos a lançar mão de metodologias ativas para aprender fazendo, muitos desses professores foram convidados a explorar um universo de possibilidades por meio de projetos inovadores, que colocam os alunos no centro do processo, como pensadores críticos e criativos. 

Numa coletânea de tantos momentos memoráveis, foram inesquecíveis os relatos de professores se “redescobrindo” e se permitindo criar de maneiras que nunca tinham feito. Educadores dos mais diversos contextos, de escolas públicas estaduais, municipais, CEUs (Centros Educacionais Unificados), espaços não formais e escolas particulares, que buscavam algo em comum: descobrir como trabalhar de forma inovadora, com metodologias ativas e uma abordagem não tecnicista, alinhados às mais atuais tendências educacionais.

Movidos pela curiosidade e pelos recursos criativos da cultura maker, tais como os próprios espaços do fazer e makerspaces, os professores mergulhavam numa jornada de autoconhecimento e de retomada da paixão por aprender. Ter esse primeiro contato justamente em espaços “maker” possibilita catalisar grandes descobertas sobre ensinar e aprender, que vão muito além dos recursos físicos e das novas tecnologias. 

Esses novos espaços também funcionam em torno de valores coerentes com uma educação que atende de modo rizomático às demandas dos aprendizes de hoje – tanto educadores quanto alunos: metodologias ativas, trabalho com projetos, resolução de problemas, investigação, reflexão crítica e compartilhamento de saberes. Tudo isso transformando as ferramentas digitais e analógicas em contextos, linguagens e em oportunidades para que os aprendizes sejam pensadores criativos e críticos. A ideia é que eles se percebam experimentando novas formas de se expressar e se relacionar com o mundo e consigo, cultivando o pensamento criativo. Mas a pergunta que fica é: como um educador pode se preparar para tal? 

“Todo educador pode ser um criador genuíno de momentos de provocação, de surpresa e de aprendizagem significativa, que estimulam a curiosidade e desejo de aprender algo novo”

Como trilhar uma trajetória de desenvolvimento profissional para tornar-se um designer de aprendizagem? Mitchel Resnick, do grupo de pesquisa Lifelong Learning Kindergarten, no MIT Media Lab, defende a ideia de que “a melhor maneira de cultivar a criatividade seria ajudando as pessoas a trabalharem em projetos baseados em suas paixões, em colaboração com pares e mantendo o espírito do pensar brincando”. Sem dúvida, os momentos mais memoráveis de tantos encontros que acompanhei foram exatamente os momentos de descobertas, insights, a-ha! e uau!. A experimentação e a “perguntação”. 

Todo educador pode ser um criador genuíno de momentos de provocação, de surpresa e de aprendizagem significativa, que estimulam a curiosidade e desejo de aprender algo novo. Um professor que se enxerga aprendente também é instigado a melhor conhecer o ritmo e a forma de aprender de cada aluno, juntamente com seus interesses e paixões, bem como sua implicação no mundo a sua volta e participação social. 

O protagonismo na produção dos próprios conhecimentos, a resolução de problemas, a criticidade e o engajamento social, entendendo a implicação das tecnologias, tanto na sociedade como na vida das pessoas, são marcas de um designer de aprendizagem, que busca resgatar momentos para aprender algo novo. 

Isso pode surgir de algo aparentemente fútil e simples ou de algum desejo adormecido, como, por exemplo, aprender a tocar algum instrumento musical, costurar, programar. Enfim, a metacognição e o aprender a aprender para entender como se aprende. 

Conheça as características de um designer de aprendizagem:

  • Instiga o desejo de aprender, de descobrir e de resolver problemas de forma conjunta, mobilizando intencionalmente e criando oportunidades para curiosidade e pensamento criativo, investigação, conexões e desejo de aprofundamentos;
  • Planeja dinâmicas individuais e coletivas com perspectivas transdisciplinares para  desenvolver competências, valores e autoconhecimento, visando o bem-estar e desejo de agir e intervir no mundo;
  • Integra o novo à memória e ao legado, criando experiências que respeitam valores humanos, geram memórias, constroem autonomia e senso crítico.
  • Possibilita novas visões sobre as múltiplas maneiras de construir o próprio conhecimento, sobre o funcionamento do mundo e sobre si mesmo;
  • Tem consciência e cautela com posturas tecnicistas, reducionistas e acríticas;
  • É apaixonado por aprender. 

Como catalisar a inovação e formar professores para essa nova realidade? 

Se os momentos de provocação, de surpresa e de aprendizagem significativa podem ser criados de forma genuína por todos educadores, como podemos então catalisar a inovação dentro e fora das escolas? Como formar os professores para se tornarem verdadeiros designers de aprendizagem, protagonistas na produção de conhecimentos e na resolução de problemas? Em uma palestra ministrada no Sindicato dos Professores de São Paulo, em 2006, o pesquisador português António Nóvoa citou o pedagogo John Dewey para fazer uma reflexão muito interessante: 

“Dewey tinha aquela velha história que no final de uma palestra [ele que nos anos 1930 inventa o conceito de professor reflexivo] um professor virou-se para ele e disse ‘o senhor abordou várias teorias, mas eu sou professor há dez anos, eu sei muito mais sobre isso, tenho muito mais experiência nessas matérias’. Então, Dewey perguntou: ‘tem mesmo dez anos de experiência profissional ou apenas um ano de experiência repetida dez vezes?’.”

Não é a prática que é formadora, mas sim a reflexão sobre a prática. Ainda hoje, a formação dos professores continua muito prisioneira de modelos tradicionais, de modelos teóricos muito formais, que dão pouca importância a essa prática e à sua reflexão. Este é um enorme desafio para a profissão, se quisermos aprender a fazer de outro modo. 

A descoberta da abordagem “tinkering”: um fazer lúdico e exploratório

Dentro dessa lógica de formação, para aprender de uma nova forma faz cada vez mais sentido falar em mais espaços experimentação e investigação para educadores, pois é nesse contexto que desenvolve-se a confiança para inovar, foco nos processos de aprendizagem, apropriação do conhecimento e reflexão sobre a prática, independentemente de idade, gênero ou segmento de atuação. Também temos que criar oportunidades para que aconteçam mais momentos de “aha!” entre os professores, que são clássicos do tinkering. 

O termo tinkering não possui tradução direta na língua portuguesa, mas pode ser melhor compreendido quando entendemos o que é um “tinkerer”: um faz-tudo, uma pessoa que conserta as coisas, um funileiro ou um inventor. A palavra foi utilizada originalmente por volta de 1300 para descrever funileiros viajantes que consertavam diversos objetos, como utilidades domésticas. 

Nas palavras de Karen Wilkinson e Mike Petrich (Tinkering Studio, EUA), tinkering é muito mais uma perspectiva do que uma vocação. É explorar e brincar com fenômenos, ferramentas e materiais. É pensar com as mãos e aprender fazendo. É desacelerar e ficar curioso com os mecanismos e mistérios do mundo a sua volta. É algo imaginativo, incomum e divertido – algumas vezes frustrante, mas essencialmente é sobre uma atitude de investigação e indagação. É diferente de seguir um passo-a-passo que leva a um resultado único e esperado, é um modo de “explodir” a mente. Como bem disse Rubem Alves, é o professor “de espantos” assumindo a merecida vez de espantar-se com o deleite de aprender, brincando e mexendo com coisas que o instigam.

Há muitos pesquisadores e grupos, como o Tinkering Studio, do Museu Exploratorium (São Francisco – EUA), e o próprio Lifelong Kindergarten, do MIT Media Lab, mencionado acima, que vêm utilizando o termo computational tinkering para descrever atividades que têm como foco explorações e experimentações combinando materiais físicos e digitais de forma iterativa e lúdica (diferentemente de interação, iteração é o rico processo de tentativa e erro tão comum em práticas mão na massa, que se trata da repetição/experimentação até se chegar ao objetivo desejado).

Aprender para a vida toda

O aprender fazendo vai além do simples fazer, pois contempla competências e habilidades atemporais e essenciais para quem adota uma postura de aprendiz para a vida toda. Isso depende de trabalho a partir de escuta ativa, colaboração, autoria, pensamento crítico, autonomia e acolhida dos erros como parte de um rico processo. Dessa forma deixa-se de lado o consumo ou uso acrítico de tecnologias para buscar expressão e criação, a fim de prototipar soluções para a transformação individual e social.

“Que os educadores sejam apaixonados, persistentes e críticos. Designers e pesquisadores curiosos de experiências de aprendizagem”

Aprendizes de qualquer idade também se encantam com novas formas de aprender fazendo, com um novo olhar para o funcionamento das coisas e para novas formas de pertencer e agir no mundo. Que os educadores sejam apaixonados, persistentes e críticos. Designers e pesquisadores curiosos de experiências de aprendizagem. Que sejam inspirados pelos Princípios do Tinkering” (traduzidos do livro The Art of Tinkering): 

  1. Misture Ciências, Arte e Tecnologia: eles garantem explorações muito gratificantes, pessoalmente significativas e motivadoras, gerando milhares de grandes insights;
  2. Crie, ao invés de apenas consumir;
  3. Revisite e itere com suas ideias;
  4. Prototipe rapidamente: tire as novas ideias da cabeça o mais rápido possível. Dessa maneira você as concretiza, faz acontecer, e entende os passos necessários para chegar ao objetivo final;
  5. Use materiais convencionais de modo nada convencional! Pense em novos usos para objetos do dia a dia;
  6. Expresse suas ideias por meio da construção;
  7. Aprenda a usar novas ferramentas como uma extensão do seu pensamento crítico, para que possa fisicamente investigar como as coisas funcionam: vai lá e parafuse, serre, use a parafusadeira, multímetros e afins para abrir um novo mundo de possibilidades de criação, de remix de ideias ou de pensar sobre como consertar algo;
  8. Fique confortável com o não saber! 
  9. Siga em frente, se frustre! Você irá quebrar ou queimar algo, falhar, e tudo bem… Pense nos problemas encontrados como algo para brincar e não somente algo para resolver!
  10.  Procure exemplos reais por toda parte!
  11.  Reinvente velhas tecnologias e descubra novas também. Desde a marcenaria das antigas até estratégias de fotografia de 1800, ou ainda mesmo programação e construção de circuitos.
  12. Tente um pouco de humor: quando as coisas não funcionam ou nos deixam sob pressão;
  13. Equilibre autonomia e colaboração: explicar suas ideias, compartilhar habilidades permite que todos percebam que pertencem a algo maior;
  14. Coloque-se em algumas situações descontroladas e até mesmo perigosas: utilize suas ferramentas com segurança e pratique as técnicas de corte, furadeira, solda entre outros – sempre consultando os pares e manuais sobre segurança – mas o aspecto do “perigo” nos força a prestar mais atenção e buscar novos aprendizados, saindo da zona de conforto.
  15. Leve o seu trabalho a sério sem levar a si mesmo a  sério. Tinkering deve ser divertido, desprenda-se do seu ego, permita-se focar e  brincar!

Para que os momentos de “aha!” aconteçam, precisamos contar com muitas tentativas e erros e engajamento com o mundo à nossa volta – tanto mental como físico. Mãos, corações e mentes na massa! 
* Conteúdo produzido e editado pelo Porvir.

Juliana Ragusa 

Educadora há 29 anos, possui experiência em ensino de Língua Inglesa, implementação e coordenação de projetos mão na massa, PBL e tecnologias ao longo de sua trajetória na área educacional. Vem trabalhando com a Cultura Maker e Pedagogias do Século 21/ Metodologias Ativas desde 2013. Na sua trajetória pela Educação Maker, trabalhou como designer de aprendizagem nas empresas WeFab, LAB Educação, Rhyzos Educação e MundoMaker. Hoje é Coordenadora Pedagógica do Ensino Médio e Coordenadora de Tecnologia Educacional e Inovação na Escola Internacional de Alphaville.

Iniciou estudos sobre Educação no antigo curso Magistério, é graduada em Letras Inglês/Português e Pedagogia, Mestre em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL) pela PUC-SP onde estudou formação de professores com foco em Linguagem, Educação e Tecnologia. Pós-graduada em Psicopedagogia Clínica e Institucional (PUC-SP) e em Pedagogias do Século 21 (TAMK-Universidade de Tampere, Finlândia). Practitioner em Psicologia Positiva e Forças de Caráter.

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