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Criatividade na sala de aula é aprendizado conjunto entre professores e alunos, defendem especialistas

Ser criativo é cada vez mais uma necessidade em diversos aspectos da nossa vida. Muitos, inclusive, acreditam que esse processo pode começar a ser desenvolvido na escola. Mas como mesclar momentos de aulas mais expositivas com momentos em que os alunos possam criar mais livremente? É aí que entra um personagem essencial nesse aprendizado: o professor.  

A regra é clara: sem professores e métodos criativos, os alunos vão se acostumar cada vez mais a seguir fórmulas prontas em que serão só ouvintes passivos. Mas como reinventar a sala de aula para que alunos de todas as idades consigam pensar e resolver problemas de outras formas? Tathyana Gouvêa, doutora em inovação educacional pela USP (Universidade de São Paulo) e professora do Instituto Singularidades, em São Paulo (SP), acredita que o professor precisa se entender como criativo em seu papel na sala de aula. Primeiro, ele conhece mais a sua turma; depois, pensa em novos métodos e estratégias pedagógicas.  

“O que os professores podem criar são novas metodologias e didáticas. Não precisamos reinventar um conceito totalmente novo, porque o conteúdo tem um valor intrínseco” 

“O que os professores podem criar são novas metodologias e didáticas. Não precisamos reinventar um conceito totalmente novo, porque o conteúdo tem um valor intrínseco. Isso tem que vir do professor, do que ele conhece do grupo dele, como os alunos gostam de se relacionar, o que é mais atrativo, e aí ele desenvolve novas atividades”, acredita.  

O objetivo da educação não pode ser preparar para uma prova 

Para seguir o currículo, os professores precisam dar conta de muitos conteúdos em um curto espaço de tempo. A mestre em psicologia educacional e gestora do Instituto Catalisador Simone Lederman, porém, questiona até que ponto a lógica atual das salas de aula oferece espaço para o desenvolvimento de projetos criativos.  

“Dentro de uma escola, você precisa transmitir conhecimento da maneira mais efetiva e eficaz, e isso é entendido como a forma que atinge o maior número de estudantes no tempo mais curto possível. É muito difícil trabalhar de forma criativa dessa maneira. Eu acredito que o expositivo pode ser uma das formas, mas se ela for a única, vamos repetir o que a gente vem fazendo há tempos, que é a aprendizagem efêmera. Conteúdos que a gente avalia que o aluno reteve naquele bimestre e que depois não ficou mais na vida dele”, crítica.

“Quando mudamos de um conteúdo conceitual para um procedimental, abrimos a necessidade de trabalharmos com modalidades diferentes, estamos falando em desenvolver empatia, cooperação e criatividade” 

No ensino médio, o foco de muitas escolas na preparação dos estudantes para o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e para os vestibulares pode fazer com que os educadores não invistam em novas práticas e abordagens pedagógicas. No entanto, Gouvêa destaca que um estilo de ensino menos tradicional pode fazer com que os alunos desenvolvam novas competências, que são cada vez mais valorizadas na sociedade, e até mesmo no mercado de trabalho.  

“Cada vez mais temos que estar olhando pro desenvolvimento de competências. Quando mudamos de um conteúdo conceitual para um procedimental, abrimos a necessidade de trabalharmos com modalidades diferentes, estamos falando em desenvolver empatia, cooperação e criatividade. Precisamos criar propostas e dinâmicas nas salas que permitam que isso seja desenvolvido, e não somente discursado sobre”, defende.  

Medo de “perder o controle”pode atrapalhar  

Todo mundo já teve aquele professor durão, rígido que era o terror da sala, não é mesmo? Difícil imaginar como ele poderia descer do pedestal e dar uma aula mais leve, deixando os alunos mais livres para criar. Pois, justamente, o mesmo de perder o controle da sala de aula também pode fazer com que esse educador fique cada vez mais agarrado em um método mais conservador e não se arrisque tanto. 

“É preciso pensar como fazemos essa transição, de um profissional que segue um currículo e passa informações de cima para baixo, para ser um professor pesquisador, autor e criativo”, destaca Simone. Ela conta que no Instituto Catalisador o trabalho de formação acontece sempre em parceria com os professores.  “Não podemos dizer para o professor que tudo o que ele fez está errado.  Sempre chegamos nas escolas de uma maneira muito humilde, dizendo que vamos apresentar uma outra expertise, que vai agregar e não substituir tudo o que eles sabem. Fazer isso tira o pé atrás do professor. O processo criativo vai somar e não substituir tudo”, explica.  

O oposto também pode acontecer. O receio pode vir do próprio aluno, que não consegue se entender também como um personagem ativo no processo de aprendizagem. Para lidar com esse desafio, na hora de adotar novos métodos de ensino, Tathyana esclarece que é também preciso ter paciência. 

“A sala de aula não pode ser um limite. A aprendizagem pode acontecer na escola, nos corredores, nos laboratórios e nas ruas também. A cidade está aí para a gente ensinar os estudantes” 

“Quando colocamos uma atividade nova, existe uma resistência do próprio aluno, e ele não compreende que aquilo pode ser uma possibilidade de aprendizagem. Quando o profissional ouve uma reclamação nesse sentido, ele desanima, só que nisso as coisas seguem como são, e temos que conseguir transpor. O que está dando essa insegurança? Temos que criar suportes para ajudá-los.” 

A cidade também pode ser a escola 

Nesse processo de tornar a educação mais criativa, sair das quatro paredes da escola também pode ajudar. Você já se perguntou o que o espaço público pode ensinar para você? Não nesse momento de pandemia, claro, mas um olhar para o entorno, seu bairro, sua cidade, praças e parques pode também fazer com que esse ensino seja menos tradicional e mais democrático.  

Lederman acredita que muitas vezes é interessante sair do esquema de sala, de aulas com 50 minutos em turmas grandes, para abrir a possibilidade de conhecimento dos alunos. “A sala de aula não pode ser um limite. A aprendizagem pode acontecer na escola, nos corredores, nos laboratórios e nas ruas também. A cidade está aí para ensinar os estudantes”, sugere.  

Autor: Bruno Pavan

* Conteúdo produzido e editado pelo Porvir.  

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