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Qual é o papel do desenho para a expressão dos sentimentos das crianças?

“Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo, e com cinco ou seis retas é fácil fazer um castelo. Corro o lápis em torno da mão e me dou uma luva e se faço chover com dois riscos tenho um guarda-chuva.” 

Os versos de Toquinho na música “Aquarela”, composta em 1983, conseguem mostrar um pouco das possibilidades de uma criança ao registrar suas marcas em papel. “Dê papel, canetas e lápis a uma criança e ela provavelmente ficará absorvida no ato de desenhar. Somente o ato de desenhar sentimentos ou cenários fictícios ajudam as crianças a dar sentido ao seu mundo”, assegura a educadora Tonia Casarin, especialista em educação socioemocional. 

Afinal de contas, como o ato de desenhar contribui para a expressão dos sentimentos das crianças e como propor atividades significativas para elas? Antes de responder a estas perguntas é necessário pensar que não existe separação entre atividades destinadas a desenvolver emoções versus atividades destinadas a desenvolver pensamentos. 

A formadora de professores Silvana Augusto, doutora em Linguagem e Educação pela Faculdade de Educação da USP, em São Paulo (SP),  atesta que as crianças estão lidando com emoções o tempo todo. “O pensamento é atravessado pela emoção. Pensamento não acontece num setor da nossa cabeça. Por isso, quando a criança está escrevendo, assim como quando a criança está fazendo cálculos de matemática, ela é atravessada por emoções.” 

“Dê papel, canetas e lápis a uma criança e ela provavelmente ficará absorvida no ato de desenhar. Somente o ato de desenhar sentimentos ou cenários fictícios ajudam as crianças a dar sentido ao seu mundo” 

A razão disso está inserida numa característica do desenho presente em outras linguagens artísticas: a possibilidade de expansão dos universos, do imaginário e do pensamento. “Possibilidade de expansão, da criação de mundos, de contextos que não existem, que só são possíveis, porque a gente inventa, porque a gente cria”, arremata a educadora. 

Não é exagero usar aqui a expressão “A arte salva”. Principalmente nos tempos difíceis que estamos vivendo no país, entrando no segundo ano da pandemia de Covid-19 e com as crianças longe da escola. As linguagens artísticas  dão a possibilidade de pensar, de sentir a tristeza a partir de outras referências. “A arte amplia nosso modo de ver as coisas. A gente pode continuar triste, aliás, não tem como a gente não ficar triste, vivendo o que estamos vivendo, mas precisamos lidar com linguagens que nos permitam significar essa tristeza”, diz Silvana.  

Assim, a tristeza ou qualquer outro sentimento, não será um percalço na nossa vida, uma marca negativa. “A gente tem que ajudar as crianças a produzirem sentido com essa tristeza que existe e que precisa ser vivida neste momento”, elabora Silva, que é coordenadora do curso de pós graduação em Educação Infantil no Instituto Singularidades. 

“A gente tem que ajudar as crianças a produzirem sentido com essa tristeza que existe e que precisa ser vivida neste momento” 

Apoiado nos autores Gianfranco Staccioli, Loris Malaguzzi, e George Foreman, o pedagogo Paulo Fochi define e entende o desenho como pensamento. “Desenho não é representação. A criança quando senta para desenhar, não necessariamente tem necessidade, intencionalidade de representar o mundo. Para ela, o desenho é experiência, é pensamento”, afirma Fochi, que é professor do curso de Pedagogia na Unisinos, em Porto Alegre (RS). 

Propondo atividades significativas para as crianças 

“Eu refuto a ideia de que algumas crianças tenham dom para desenhar e outras não”, diz Paulo Fochi. De acordo com ele, o ímpeto interno das crianças (que podemos chamar de curiosidade) é aberto a todas as linguagens, a aprender tudo e a interpelar o mundo. Assim, cabe ao adulto criar as condições externas de forma adequada e enriquecida para que a criança estabeleça uma relação com o desenho. 

Silvana também coloca as atividades que se encerram em si mesmas no bojo das  atividades que não produzem significados. Pode-se citar os exercícios simples como completar ou colorir desenhos prontos, preencher imagens com crepom. “Estas atividades vão dar respostas muito parecidas para todas as crianças e não são adequadas, nem para trabalhar a emoção, nem imaginação, nem qualquer outra coisa que se queira trabalhar”, opina. 

O caminho, então, é propor de modo aberto as soluções para diferentes artes gráficas e plásticas que as crianças vão encontrar. Silvana dá outra sugestão: “é importante complementar esse momento do fazer com o momento posterior, em que as crianças vão olhar para o que fizeram e narrar os processos de criação.”  

Este espaço coletivo de discussão é importante para construção de significado sobre o seu próprio desenho ou a sua criação. As crianças têm ainda a oportunidade de ouvir os processos criativos dos outros colegas. “Ao falar sobre os processos e sobre os desenhos, as crianças também falam de emoções, do que que elas pensaram, do que que elas sentiram, como que o desenho mobilizou.” 

Confira dicas e sugestões de especialistas para trabalhar desenho com as crianças: 

  • “Podemos promover ações em que as crianças coloquem em jogo além dos registros gráficos, movimentos corporais, pois entendemos que há  diversas formas de linguagens e as propostas podem carregar outras maneiras, materiais e materialidades, lugares e contextos ao olharmos para a criança e o desenho. A presença de um adulto atento à interpretação dessas formas de linguagens pode muito contribuir ao desenvolvimento de como as crianças manifestam e registram seus desenhos. A professora poderá guardar, por exemplo, ao longo de cada bimestre um desenho da criança sobre a figura humana ou sobre uma paisagem e, ao longo do ano, apresentar para a própria criança, autora de suas marcas, as mudanças.”   

Fabiane Vitiello e Telma Holanda, fundadoras do Diálogos Pedagógicos, que promovem viagens pedagógicas e formação de professores 

  • “O ambiente precisa ser preparado, arrumado. A professora está fazendo esse trabalho junto com eles. Ela não está explicando nada. Ela está fazendo. Talvez contando alguma coisa, de uma forma bem imaginativa, estimulando a fantasia dos alunos. Ela não explica, mas conduz por meio de uma narrativa e faz junto. Depois, arruma-se, guarda-se e esse material. É muito importante que tenha este preparo, essa execução e essa finalização com muito respeito, ao material, ao ambiente, às crianças, ao acondicionamento, ao destino deste material, ele pode fazer parte de uma pasta ou de um livro, ou vai ser um presente, ou vai ser dado pra alguém.”  

Melanie Guerra, diretora do curso de pedagogia da Faculdade Rudolf Steiner 

  • “Eu gosto de trabalhar muito a partir da metodologia das histórias de vida, em que os professores fazem um um exercício autobiográfico e criam os registros das suas histórias de vida. Pensam como foi até o presente sua trajetória em relação à arte, cultura, e a partir daí visualizam como podem continuar essa busca por repertório, seja de forma acadêmica, de forma como visitante. A partir desse repertório, também, e, sobretudo, da arte da educação, os professores e professoras vão construindo as suas propostas de forma significativa. Sempre em relação a vida dessa criança, como que essa criança pode passar por uma experiência artística.” 

Diana Tubenchlak, consultora em arte-educação 

  • “Pais, não desenhem fórmulas, formatos para os filhos copiarem e não deem desenhos para as crianças pintarem dentro. Isso é uma poda criativa para as crianças. Elas vão percebendo que existe um referente e se baseiam neste referente, ao invés de pensar sua relação gráfica e que marcas e de que forma ela pode deixar suas marcas.”  

Paulo Fochi, pedagogo e professor do curso de Pedagogia na Unisinos em Porto Alegre (RS) 

  • “Para pensar em atividades significativas para as crianças, a gente tem que pensar nesses três aspectos da experiência, né? O tempo de escolher, de imaginar, de trabalhar, o tempo de olhar para aquilo que fez e o tempo de se expressar em outras linguagens, de narrar o que fez e de ouvir os amigos. Porque é importante que o desenho tenha esse tempo, tempo é que permite a elaboração, não necessariamente o desenhar em si, mas é toda a experiência do desenho, que promove a produção de significados e também de sentidos pessoais. Significados e sentidos.” 

[Quebra da Disposição de Texto]Silvana Augusto, doutora em Linguagem e Educação pela Faculdade de Educação da USP, em São Paulo (SP) 

Autora: Mayara Penina

*Conteúdo produzido e editado pelo Porvir.  

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