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Tradicional x Inovador: é possível mesclar momentos de exposição com práticas de metodologias ativas?

Eu conheci de perto duas abordagens pedagógicas um tanto antagônicas. Em uma, choviam críticas à priorização do “mão na massa” dos estudantes em detrimento de práticas focadas no ensino. Já na outra, se achava que aulas expositivas deveriam ser extintas. Mas tem um jeito certo e um errado de dar aula? O que é ser tradicional ou inovador? Como saber o que é melhor a se fazer? 

Antes de tudo: sabemos qual estratégia pedagógica – exposição teórica ou metodologias ativas – é ideal para aquela aula, não pelo fato de ser mais tradicional ou inovadora, mas, sim, pelo quanto ela foi efetiva no alcance dos objetivos de aprendizagem propostos. Aqui, nossa bússola deve ser a intencionalidade pedagógica compartilhada na escola. Ela é composta por três elementos combinados: as referências do campo teórico e diretrizes governamentais; as crenças e valores tanto da instituição como do educador; e os aspectos presentes na própria prática, como as condições para realização da aula e o perfil da turma. 

“Sabemos qual estratégia pedagógica – exposição teórica ou metodologias ativas – é ideal para aquela aula, não pelo fato de ser mais tradicional ou inovadora, mas, sim, pelo quanto ela foi efetiva no alcance dos objetivos de aprendizagem propostos” 

Não há uma intencionalidade pedagógica consistente se nos concentrarmos apenas nos dois últimos campos. Uma prática será um fim em si mesma se adotada apenas por costume (“sempre fizemos assim”), por simpatia (“essa atividade é muito legal!”), por aptidão do professor (“sou muito bom em fazer isso”) ou por um gosto específico da turma (“eles adoram quando eu faço isso!”). 

A nossa diretriz norteadora dos objetivos de aprendizagem é a BNCC (Base Nacional Comum Curricular), que indica os conceitos e demais conteúdos previstos para serem compreendidos a cada ciclo da vida escolar, como também as habilidades e competências por meio das quais tais aprendizagens serão demonstradas. A partir desta definição, combinada com nossos valores e informações do contexto, a gente pode estabelecer, em um planejamento reverso, quais são os objetivos de aprendizagem de cada aula e, a partir de cada um deles, qual é a estratégia pedagógica a ser praticada para alcançá-los. 

Escolher, dentre aulas expositivas e metodologias ativas, qual é a preferível, depende do tipo de habilidade a ser desenvolvida naquela aula, como também da etapa do processo em que os educadores se encontram, de quais experiências já foram vivenciadas e o que ainda está por vir. 

Vamos partir de um exemplo de habilidade da BNCC em Ciências para o 5º ano: “aplicar os conhecimentos sobre as mudanças de estado físico da água para explicar o ciclo hidrológico e analisar suas implicações (…)”. Para os estudantes serem capazes de manifestar as habilidades de “aplicar” e “analisar” tais conteúdos e conceitos, antes precisarão ser expostos a eles, seja por pesquisa ou, por que não, exposição do professor. E isso costuma ser uma demanda mais intensa no início de uma sequência didática ou projeto.  

Uma grande vantagem da exposição do professor, em contraposição ao acesso de conteúdos por meio de um texto ou um vídeo, é a possibilidade do docente, por já conhecer a turma, fazer relações com os conhecimentos prévios dos estudantes, com as dúvidas anteriormente levantadas, com os interesses já conhecidos e com aquilo que lhes será solicitado a seguir. Se tratamos de uma aula expositiva dialogada, os benefícios se expandem, já que torna-se possível realizar mediações que tragam mais significado para aquela experiência.

“A abordagem baseada em metodologias ativas, por se centrar na ação do estudante, mobilizando esforços e responsabilização do mesmo, tende a gerar aprendizagens mais concretas e significativas”

Já a abordagem baseada em metodologias ativas, por se centrar na ação do estudante, mobilizando esforços e responsabilização do mesmo, tende a gerar aprendizagens mais concretas e significativas. Isso porque ele, ao ter de convocar maior esforço cognitivo na recuperação de informações, mais as retém; e ao se envolver ativamente, vivenciando a aplicação do conhecimento, reconhece o porquê daquela aprendizagem. 

Dado que a BNCC já estabelece um foco no desenvolvimento de competências (saiba mais aqui) que visam uma leitura crítica de mundo, não é suficiente adotar estratégias que viabilizem e avaliem habilidades cognitivas tidas como mais simples (conforme a Taxonomia dos objetivos educacionais, mais conhecida como Taxonomia de Bloom), como memorizar e saber reproduzir ou explicar uma informação. No entanto, tê-las bem incorporadas é essencial para que as ditas habilidades de pensamento de ordem superior, como aplicar, analisar, avaliar e criar (que tendem a ser mais efetivamente nutridas via metodologias ativas) partam de uma base mais firme para se potencializarem. Como nos diz Brown: “da mesma forma como os conhecimentos de nada servem sem o exercício da engenhosidade e da imaginação, a criatividade na ausência de uma robusta base de conhecimento constrói um castelo de cartas.” 

Para mim, nada é mais inovador do que atender às necessidades de aprendizagem dos estudantes, com as estratégias que se apresentarem mais adequadas para o contexto. E você, aceita o convite de inovar e criar suas aulas com cada vez mais intencionalidade pedagógica? 

* Conteúdo produzido e editado pelo Porvir.  

LETICIA SODRÉ 

Com passagem pelo Itaú Social, Instituto Tellus, escolas privadas e rede estadual de São Paulo, Leticia atuou no segmento da Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental como professora, contadora de histórias, pesquisadora, orientadora educacional e consultora em inovação educacional, com o desenho e implementação de soluções e programas pedagógicos, além de formação de professores e gestores. Atualmente é doutoranda em Educação pela FE-USP, tendo sido mestre em Educação e bacharel em Pedagogia pela mesma instituição. 

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