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Storytelling na educação: como capturar a atenção dos estudantes

A professora de Língua Portuguesa, Janaína Pessoa, chegou em uma nova escola com um desafio: trabalhar o livro “Madiba, o menino africano”, que conta a história de Nelson Mandela. Ao perceber que seus novos alunos gostavam de Naruto, a docente usou o storytelling na educação e conseguiu criar uma ponte entre as duas produções para engajar a classe.

“Eu pensei: ‘O Nelson Mandela nasceu em uma vila, Naruto também, então vou fazer essa ligação’”, relembra Janaína. Seu trabalho é um excelente exemplo de como o storytelling pode ser usado na educação para prender a atenção dos estudantes em um tema, atividade ou projeto. 

Para começar, a professora contou à turma que recebeu uma correspondência (fictícia) de um dos personagens do anime, o Kakashi, chamando os estudantes para algumas missões. Na história, Janaína seria a sensei (termo em japonês para designar uma pessoa mais velha, uma espécie de mentora). 

Ao cumprirem as missões, os alunos ganhavam itens supostamente enviados por Kakashi. Um desses itens era um mapa da região onde fica a aldeia de Nelson Mandela. Depois, a professora mostrou um vídeo da história do ativista sul-africano contada por crianças, o que despertou o interesse de seus estudantes.

Com a atenção dos alunos capturada, Janaína iniciou a leitura do livro trazendo perguntas norteadoras e outras tarefas, também trazidas como missões para os alunos. E assim como Nelson Mandela ganhou o Prêmio Nobel da Paz, os alunos foram convidados a serem Promotores da Paz. 

O que é o storytelling? 

Em uma tradução literal, o storytelling é a narração de histórias. Contar histórias e aprender por meio delas são práticas tipicamente humanas, presentes entre nós há muito tempo — basta lembrar de tudo que aprendemos com a tradição oral. É o que explica Emilly Fidelix, formadora de professores e criadora do perfil @seligaprof, no Instagram.

Mais recentemente, o storytelling ganhou força com a publicidade e propaganda em alta nas mídias. “São aquelas propagandas que não só vendem um produto, mas contam uma história e fazem com que você se identifique com aquela marca”, exemplifica Emilly. 

“Eu só vou me conectar com algo porque eu me emocionei. Se eu me conectei com algo foi porque eu me importei”

Na educação, o storytelling é uma ferramenta para a comunicação, a conexão e a emoção em relação ao assunto a ser tratado em sala de aula. “Eu só vou me conectar com algo porque eu me emocionei. Se eu me conectei com algo foi porque eu me importei”, afirma a especialista. 

Uma forma de colocar isso em prática seria, por exemplo, usar relatos de pessoas que viveram momentos históricos, como a Segunda Guerra Mundial ou a Ditadura Militar, para abordar o tema. “A história tem esse poder de despertar e de colocar você naquela situação, então você aprende com a experiência do outro”, conta Emilly. 

Storytelling em todas as áreas do conhecimento

Se engana quem acredita que o storytelling só pode ser aplicado a temas da área de humanas. Usando a narração de histórias como ferramenta, a pedagoga Daria Passos criou uma nova forma de ensinar tabuada a seus alunos do 5º ano do Ensino Fundamental. 

Diante da dificuldade dos alunos em relação a esse tema, a professora criou o projeto Cavaleiros da Tabuada Redonda. A ideia surgiu em uma conversa com os estudantes, em que Daria mapeou seus interesses, chegando, assim, na história do Rei Arthur. 

Ainda que houvesse um conteúdo programático a ser dado, a docente focou no storytelling para transportar os alunos a esse mundo de reis e cavaleiros. Ela começou contando a história do Rei Arthur e, depois, usou o e-mail para comunicar à classe que eles precisariam protegê-lo, usando as tabuadas para isso. 

Daria conta que só o fato de falar que o Rei Arthur precisava dos alunos fez com que eles se engajassem para estudar as tabuadas. “Eles sabiam tudo, e quem não sabia deu um jeitinho de estudar porque precisava proteger o rei”, conta a pedagoga. 

“A história faz você ser transportado para um ambiente onde muitas coisas são possíveis, porque aqui, no nosso dia a dia, temos muitas limitações”

“A história faz você ser transportado para um ambiente onde muitas coisas são possíveis, porque aqui, no nosso dia a dia, temos muitas limitações. Na história você tem possibilidades, você pode recriar aquele final ou incluir informações. Eu acho que é isso que faz com que o aluno fique vidrado na história”, explica Daria. 

Para facilitar o uso do storytelling em suas aulas, Emilly sugere começar com uma lista de personalidades na sua área de atuação. Assim, é possível usar histórias que já existem em suas aulas. Pense também em situações problemas que podem ser usadas nas narrativas e observe quais recursos os documentários, por exemplo, usam para contar uma história — entrevistas, documentos históricos, entre outros. 

Os resultados de unir storytelling à aprendizagem

Além de capturar a atenção dos estudantes, o storytelling promove impactos significativos na aprendizagem. A professora Daria, por exemplo, conta que terminou o ano letivo com o objetivo alcançado: não só conseguiu com que a maior parte de seus alunos decorassem as tabuadas, como também fez com que o processo fosse prazeroso para eles. Além disso, a atividade abriu novas possibilidades para os estudantes. 

“Eles saíram desse modelo [tradicional] que, de certa forma, é limitador — de fazer lição, fazer atividade — para um modelo em que eles podiam viajar e aprender do mesmo jeito”, avalia a pedagoga. Isso sem contar que os alunos passaram a ler mais sobre o Rei Arthur e a pesquisar sobre sua história, o que ajudou a trabalhar a leitura e a escrita, além de enriquecer o repertório deles e desenvolver a criatividade. 

O mesmo aconteceu com os alunos de Janaína, que chegaram a criar uma aldeia própria, com direito a nome, símbolo e até um rap escrito por eles. Para a professora, a dinâmica causou impactos positivos na escrita, nas relações interpessoais e na autoestima dos estudantes. 

“Eles tinham pavor em escrever textos, era uma dificuldade muito grande, e aí eles viram que tinha várias formas de produzir textos”, conta Janaína. “Outra coisa foi a melhoria nas relações interpessoais. Eu tinha muito problema na sala com essa questão, mas aí com a aldeia eles tiveram que se unir e espalhar boas atitudes, inclusive entre eles.”

Autora: Aline Naomi

* Conteúdo produzido e editado pelo Porvir

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