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O jeito certo de lidar com os medos na infância

Medo de sair de casa, do escuro, de animais, de experimentar algo novo. Medo do que os outros pensam sobre você, da rejeição de um grupo. Medo de falhar em uma prova. Medo de perder um ente querido ou o bichinho de estimação. Os medos na infância se manifestam de muitas formas. 

É um sentimento normal e instintivo, todos nós sentimos ao longo de nossas vidas. Porém, aprender a reconhecer o medo desde a infância traz vários benefícios: favorece o desenvolvimento de habilidades como autocontrole, resiliência e empatia; autocuidado para saúde mental; eleva a autoestima e a autoconfiança. Além disso, trazer o assunto para o contexto escolar é uma das maneiras de trabalhar competências socioemocionais e melhorar a convivência entre todos.  

O ponto de partida para lidar com o medo, seja nosso ou das crianças, é desfazer a crença de que se trata de um sentimento ruim e puramente paralisante. “O medo tem fator protetivo. Se nossos ancestrais das cavernas não tivessem medo do leão, por exemplo, provavelmente nós não estaríamos aqui hoje. Mas ele também tem um lado que nos impulsiona a descobrir coisas novas e a enfrentar desafios”, explica a psicóloga e psicanalista Fê Lopes, co-idealizadora do Psycopodcast e da Semana de Apoio à Amamentação Negra no Brasil. 

A especialista considera que nós estamos vivendo em uma sociedade do medo, em que se dissemina a ideia de que o perigo está cada vez mais perto de nós para vender a falsa garantia de segurança e controle como solução para nossos problemas.

“A gente precisa combater a ideia de que fora do meu quintal é tudo perigoso. A consequência desse pensamento é ficarmos cada vez mais isolados, limitando nossa experiência no mundo”

“Não estou dizendo que não há perigos por aí. Mas a gente precisa combater a ideia de que fora do meu quintal é tudo perigoso. A consequência desse pensamento é ficarmos cada vez mais isolados, limitando nossa experiência no mundo. Se eu, adulto, só vejo medo onde estou, como vou construir um ambiente seguro para a criança?”, reflete Fê Lopes.  

Outro senso comum em torno desse tema é que o medo é ausência de coragem. Sobre isso, Nelson Mandela, ex-presidente da África do Sul e líder da luta contra o regime de segregação racial apartheid, escreveu em sua autobiografia O longo caminho para a liberdade (1994): “aprendi que coragem não é ausência de medo, mas o triunfo sobre ele. O homem corajoso não é aquele que não sente medo, mas o que conquista esse medo”.

Medos na infância: tempos e processos

Na primeira infância, é normal que a criança tenha medo de tudo aquilo que ela não consegue explicar. Conforme vai crescendo e ganhando conhecimento e repertório de experiências, alguns medos se dissipam, outros mudam de contornos e novos surgem. O quarto escuro de repente não é mais assustador, mas vem aquela dor de barriga na hora de explicar um trabalho de escola na frente dos colegas de sala.

“Muitas vezes as crianças não sabem reconhecer aquilo que estão sentindo. Os adultos devem ajudá-la a reconhecer e dar nome aos seus sentimentos, sempre oferecendo apoio e suporte emocional”

A dica para conquistar nossos medos desde a infância é, antes de tudo, aprender a identificá-los. “Muitas vezes as crianças não sabem reconhecer aquilo que estão sentindo. Os adultos devem ajudá-la a reconhecer e dar nome aos seus sentimentos, sempre oferecendo apoio e suporte emocional”, indica Fê Lopes. 

A psicóloga e psicanalista também indica que é importante respeitar os tempos da criança, com acolhimento e paciência, e não atribuir rótulos, como “medrosa” ou “chorona”, às crianças que enfrentam situações de medo.

E quando o medo aparece na escola?

A escola é o espaço onde as crianças se contextualizam em relação aos outros e ao mundo. Por isso, é ali que aparecem muitos medos e questionamentos. Muitas vezes, o medo se manifesta na escola na forma de ansiedade, explica a pedagoga Leticia Lyle, co-fundadora e diretora da Camino Education.

“A ansiedade é um sentimento que vem do medo. Ela parte da percepção de que você não vai dar conta de alguma coisa, que você não consegue antecipar o porvir ou não tem recursos para realizar algo”, explica. “Ao longo da vivência escolar, a gente vai ganhando recursos para contextualizar e lidar com essas percepções. E a criança vai se acalmando.”

“A ansiedade é um sentimento que vem do medo. Ela parte da percepção de que você não vai dar conta de alguma coisa, que você não consegue antecipar o porvir ou não tem recursos para realizar algo”

O mais comum é que, ao observar o comportamento da criança em sala de aula, o professor consiga perceber que algo está errado, indica Leticia. Se ela está muito reativa ou evasiva, se está se esquivando de tarefas ou de relacionamentos com os colegas, tudo isso pode ser uma manifestação de ansiedade ou medo. 

“Pode estar relacionado a uma questão de aprendizagem, de comportamento ou até mesmo emocional. Profissionais atentos identificam isso. Muitas vezes, o professor relata o problema a partir das interações com as produções dos estudantes em sala de aula. É comum que as crianças utilizem esse momento de aprendizagem para elaborar e processar medos e anseios”, esclarece. 

Por isso, Leticia conta que a Camino Educacion costuma trabalhar questões socioemocionais com os estudantes pelo caminho das artes, como teatro, música e dança. Essas formas de expressão ajudam a digerir, trabalhar e até ressignificar medos e anseios. Rodas de conversa e o diálogo constante entre professores e estudantes também são estratégias que funcionam.

É também tarefa do professor evitar que medos e ansiedades de alguns estudantes sejam lidos por outros a partir de um lugar de julgamento. Criar um espaço saudável e seguro de interação passa, novamente, pelo diálogo. “É assim que a gente tenta transformar o julgamento em curiosidade, o desentendimento em exploração conjunta e passamos da defensiva à autorreflexão”, sinaliza a pedagoga.

Caixa dos medos

O medo é o tema da atividade conjunta que as professoras Maria de Lourdes de Moraes Pezzuol, do Atendimento Educacional Especializado (AEE), e Rosi da Silva, de Língua Portuguesa, desenvolveram com os estudantes dos 6º e 7º anos do ensino fundamental, na Escola Estadual Maestro Antônio Marmora Filho Cidade, em Mogi das Cruzes (SP). 

Para começar a atividade, a turma leu e discutiu o livro Ao Medo com Carinho (Marcelo Cipis, 2011). Depois de uma leitura crítica em conjunto, as professoras organizaram uma roda de conversa sobre como o medo pode afetar as nossas vidas. Os estudantes foram incentivados a escrever seus medos num pedaço de papel e depositá-los, de forma anônima, na caixa dos medos, que as educadoras confeccionaram. 

A professora Maria de Lourdes relata que a dinâmica revelou que o sentimento de medo é muito comum entre os estudantes. “Durante as reflexões, os alunos puderam expressar seus sentimentos sem identificar seus nomes, e os diferentes tipos de medos foram discutidos, como o medo da morte de entes queridos, rejeição, sexualidade, celulares, famílias, animais etc. Outro ponto relevante foi a procura individual de muitos alunos para compartilhar seus medos com a professora.”

A atividade se completou no pátio, com uma dinâmica de reflexão e colaboração. Os estudantes formaram um círculo e, de mãos dadas, passaram um bambolê ao redor do corpo. “Durante o exercício, os alunos foram incentivados a pensar sobre seus medos e ajudar uns aos outros a passar o bambolê. O objetivo foi promover a reflexão sobre a insegurança e fortalecer a colaboração e socialização entre os participantes”, explicou Maria de Lourdes. 

Na avaliação das professoras autoras do projeto, a compreensão do medo ajuda no enfrentamento de situações difíceis e de tomada de decisão consciente, além de também elevar a autoestima. “Identificamos também que utilizar diferentes estratégias pedagógicas e lúdicas teve papel importante na redução do estresse e da ansiedade associados à aprendizagem.”

As professoras também compartilharam com os leitores do blog algumas frases que elaboraram com os estudantes com indicações sobre como podemos superar nossos medos. Confira: 

1- Pratique o autocontrole e a autoanálise. Conhecer-se mais e melhor também ajuda no controle das emoções;

2- Entenda profundamente seu medo. É preciso definir o medo (o que exatamente provoca essa sensação) e em quais situações ele aparece.

3- Compartilhe seu medo com outras pessoas.

4- Não tenha vergonha de pedir ajuda.

5- Você consegue. Tenha paciência! Acredite em você!

Autora: Andressa Basilio

* Conteúdo produzido e editado pelo Porvir.

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