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Aprendizagem Criativa: conheça a abordagem centrada no protagonismo do estudante

Nathan Rabinovitch é professor de Física e dá aula para estudantes do Ensino Médio no Colégio Santa Cruz, na cidade de São Paulo (SP). Adriana Sousa é professora de Matemática do Centro Juvenil de Ciência e Cultura de Vitória da Conquista (BA). A dupla desenvolve projetos que integram tecnologia, artes e criatividade para constituir ambientes educacionais lúdicos.

Em 2015, tiveram contato com a Aprendizagem Criativa em seu percurso como educadores e hoje são articuladores da Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa em seus territórios. Em entrevista ao Porvir com a Faber Castell, os dois apresentam perspectivas interessantes que podem ser o pontapé inicial para entender a abordagem. Adriana Sousa diz que é preciso uma ruptura do ciclo tradicional em que o professor fala e o aluno escuta. Já para Nathan, a Aprendizagem Criativa traz uma subversão, pois integra o que os estudantes trazem de suas próprias histórias, dos seus próprios conhecimentos e habilidades.

“Nesta abordagem, o professor, atento às necessidades e interesse dos estudantes, propõem situações de aprendizagem em que eles próprios são protagonistas”

Proposta por Mitchel Resnick, professor do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) Media Lab, a Aprendizagem Criativa tem bases no construcionismo proposto por Seymour Papert, que também se inspirou nas ideias de Piaget, Paulo Freire, Maria Montessori e outros grandes pensadores da educação.

“Nesta abordagem, o professor, atento às necessidades e interesse dos estudantes, propõem situações de aprendizagem em que eles próprios são protagonistas. Eles assumem o comando elaborando um projeto a partir do que gostam e assim, investigam, pesquisam, propõem soluções para problemas, testam, trocam ideias e ao decorrer deste processo, estudam os componentes curriculares necessários para a implementação do seu objetivo”, exemplifica Adriana, que é mestra em Educação em Ciências e Matemática.

Esta configuração das atividades envolve os estudantes que vivenciam a construção dos conhecimentos exercendo a curiosidade, a criatividade e os 4Ps da aprendizagem criativa propostos por Mitchel Resnick: Projetos, Paixão, Pares e Pensar Brincando, resgatando o comportamento das crianças no Jardim de Infância.

Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa  
A RBAC apresenta-se como um movimento social, ou um laboratório que visa a promoção, a demonstração prática e o desenvolvimento da Aprendizagem Criativa no ecossistema educacional brasileiro. É composta por educadores, artistas, pais, pesquisadores, empreendedores, alunos e organizações que promovem práticas mais mão na massa, criativas e relevantes que tenham impacto na educação de crianças e jovens do Brasil.

O papel da tecnologia na Aprendizagem Criativa

“Não é por falta de acesso à tecnologia que não se pode aprender via aprendizagem criativa. [Nessa abordagem] não vemos a tecnologia como um fim, mas um meio para construir outras coisas”, esclarece Ann Berger Valente, pesquisadora no MIT e Coordenadora de Pesquisa e Inovação da Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa. No entanto, a Rede também reconhece a tecnologia digital como forte elemento potencializador de ações humanas e valorização social. 

“Podendo ter acesso a tecnologia, há uma série de coisas interessantes [que podem ser trabalhadas e desenvolvidas]. A tecnologia abre portas que realmente não teriam condições [de serem abertas] com os materiais concretos. O que Mitchel Resnick sempre fala é que a programação permite pensar com criatividade, raciocinar de forma sistemática e trabalhar de forma colaborativa”, sugere.

Há também o campo da tecnologia na comunicação que abre muitas possibilidades de expressão para crianças e jovens. Entre elas, Ann destaca a criação de blogs e as produções multimídias.  “A criança com voz se torna agente participativa na comunidade”, complementa.

“Não é por falta de acesso a tecnologia que não se pode aprender via Aprendizagem Criativa. [Nessa abordagem] não vemos a tecnologia como um fim, mas um meio para construir outras coisas”

Nathan Rabinovitch também reforça a fala de Ann, lembrando que não necessariamente precisamos fazer uso da tecnologia na Aprendizagem Criativa. “Mas essa é a área em que eu trabalho mais. O que eu faço é letramento de uma forma criativa sempre baseado na expressão dos alunos. É assim que eles aprendem a tecnologia que eles precisam para desenvolver os projetos. Sempre penso a tecnologia para o desenvolvimento da criatividade pessoal”, diz o educador, que atualmente trabalha em uma disciplina optativa eletiva no Colégio Santa Cruz chamada “Santa Makers”, em que os alunos trazem ideias dos projetos para serem desenvolvidos ao longo do ano.

Para ele, que também é pesquisador na Educação Continuada da Escola Politécnica da USP, em São Paulo (SP), no mundo em que vivemos, é muito importante ter um contato mais íntimo com a tecnologia porque ela é a interface de muitas coisas que estão presentes no nosso dia a dia. “Não só pelo contato que a gente tem, mas pela forma que usamos [a tecnologia] para se relacionar com outras pessoas. O trabalho que eu faço vai muito neste letramento: como usar essas tecnologias para dar vida a projetos e ideias que os alunos tenham. Eu apresento as ferramentas, mas depende muito do uso que eles vão fazer. ”

Diversidade

A Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa se apresenta proativa na promoção e criação de oportunidades de desenvolvimento significativo para todos, especialmente para populações em situações mais vulneráveis. A declaração “Nós valorizamos a diversidade” está presente no Manifesto da RBAC.

Ann explica que este também é um componente essencial da Aprendizagem Criativa, tanto pela diversidade de ideias, das muitas formas de se expressar e múltiplas formas de chegar a uma solução, quanto pelo aspecto social. “Temos um comprometimento muito sério de toda a comunidade com a equidade e a inclusão. Eu acho que quando temos essa sensibilidade para diferentes vozes, tornamos a sociedade mais justa. Tornamos a vida mais rica também ao ouvir a multiplicidade de vida e de pessoas diferentes, vindas de ambientes diferentes e com realidades diferentes”. Desde o início da construção da rede, o grupo prioriza a diversidade geográfica de seus componentes com múltiplas realidades dentro do Brasil e foco na escola pública.

Criatividade e protagonismo na aprendizagem remota

Neste período da pandemia, os professores que trabalham com mão na massa, como Nathan e a Adriana, tiveram que se reinventar com a necessidade de distanciamento social e aprendizagem remota. “A Aprendizagem Criativa traz uma coisa [positiva] que é você não colocar tanto o foco no fim do projeto ou no que você vai entregar, e sim no desenvolvimento. Independente da disciplina, a Aprendizagem Criativa trabalha muito com a exploração. Então, isso ajuda também no engajamento. Eu tenho usado a Aprendizagem Criativa no ensino remoto para tentar trazer autoria dos alunos junto das aulas e projetos desenvolvidos”, compartilha o professor.

Ann é categórica ao dizer que “a Aprendizagem Criativa não é solução para ensino na pandemia”. Mas, segundo ela, apresenta possibilidades diferentes para o que significa dar aulas: “Estamos otimistas que essa situação de pandemia pode ser um momento de quebrar alguns paradigmas. As famílias e crianças perceberam o valor da escola. As crianças voltarão para a escola com uma série de outras questões e necessidades emocionais, vão voltar com muitas questões, perguntas, dúvidas, e se a gente não usa isso para conduzir a educação, estamos perdendo uma oportunidade muito rica”, finaliza.

Autora: Mayara Penina

* Conteúdo produzido e editado pelo Porvir.

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