Início » Reportagem > Neurociência e Criatividade

Arteterapia na educação: como atividades mão na massa ajudam crianças e jovens a lidar com emoções

Crochê, tricô, pintura, desenho, jardinagem e cozinha. O que tudo isso tem em comum? Além do fato de serem todas atividades manuais, elas são recorrentes entre pessoas que buscam um hobby e uma ocupação para desestressar e relaxar. Algumas dessas propostas encaixam-se na chamada arteterapia, que, como o próprio nome traz, usa exercícios artísticos para promover bem-estar e ajuda a quem precisa. 

Então já que a arteterapia é uma técnica cada vez mais utilizada e recomendada por psicólogos, ela destina-se apenas a quem faz terapia e está atualmente enfrentando algum tipo de problema ou desafio em sua vida pessoal, certo? Errado! 

“A Arteterapia tem como objetivo proporcionar a expressão de subjetividades da pessoa que estiver envolvida nos processos arteterapêuticos, bem como objetiva o tratamento de diversas patologias ou não patologias”, explica Cristina Corrêa, arteterapeuta com especialização em Arte-Educação e Neurociência do Desenvolvimento Humano.

“A Arteterapia tem como objetivo proporcionar a expressão de subjetividades da pessoa”

Ou seja, considerando que a arte é algo que acompanha os seres humanos, desde os tempos de pinturas rupestres em paredes de cavernas, como forma de registrar os estilos de vida de nossos antepassados, a arte tem o potencial de tocar e falar com quem estiver disposto e aberto a ela. 

Além disso, as atividades manuais que incentivam a movimentação corporal também são muito conhecidas por seu caráter terapêutico, possibilitando que as pessoas não só relaxem a partir dos exercícios, mas também possam expressar pensamentos, emoções e sentimentos. 

“A arteterapia está ligada ao desenvolvimento humano de forma global. Portanto, toda e qualquer pessoa se beneficia das vivências arteterapêuticas. A expressão é o fio condutor de todos os trabalhos arteterapêuticos, expressão esta que pode ser verbal, visual e/ou corporal.” 

Saúde global

O que nem todo mundo sabe é que a arteterapia está intimamente conectada à neurociência. Dentro dessa perspectiva, as atividades estimulam as redes neurais e a neuroquímica, além de promover a neuroplasticidade, isto é, a capacidade do cérebro se reorganizar para absorver e responder a novos estímulos e aprendizados. 

“As atividades arteterapêuticas estimulam áreas como o córtex pré-frontal e as funções executivas, como atenção, concentração e autocontrole. Outras funções também são potencializadas. Os ganhos motores, psíquicos e neuroquímicos são enormes. Por isso, costumo me referir à arteterapia como saúde global”, explica Cristina. Assim, uma das muitas aplicações da arteterapia é na educação. 

O potencial da arteterapia na educação 

Além de promover os benefícios citados acima, Cristina aponta que a arteterapia, quando vinculada à educação, possibilita e incentiva o desenvolvimento das funções conativas, necessárias a uma aprendizagem significativa. Segundo a especialista, funções executivas,  cognitivas e conativas estão muito conectadas ao processo educacional.

“A arteterapia vinculada à educação traz uma face transdisciplinar, e estimula que conteúdos internos possam vir à tona para que sejam entendidos e ressignificados”

Outro ponto de destaque e atenção é o fato de que a arteterapia não proporciona uma desvinculação de sentimentos, emoções e subjetividades do ser humano, pelo contrário. “A arteterapia vinculada à educação traz uma face transdisciplinar, e estimula que conteúdos internos possam vir à tona para que sejam entendidos e ressignificados. Desta forma, a percepção e o gerenciamento das emoções se dá com uma atenção mais plena, contribuindo e muito para o desenvolvimento da inteligência emocional”, aponta. 

Materiais e formação docente 

Quando o assunto é o tipo de material que pode ser usado em atividades de arteterapia, são muitas as possibilidades. Argila, tinta, sementes, fios, canetas, cartazes, cartolinas e massa de modelar são apenas alguns exemplos. Todos esses elementos, explica Cristina, promovem que pulsões internas venham à tona e sejam ressignificadas. 

Para que todas essas vivências sejam possíveis e seus benefícios possam ser experimentados por crianças e jovens, é necessário, entretanto, que o profissional responsável por conduzir as atividades de arteterapia tenha formação na área. “Nos cursos de formação, serão desenvolvidas as disciplinas da área das Artes, Psicologia, Filosofia, Sociologia, entre outras, para que o estudante possa ter alcances significativos no desenvolvimento dos trabalhos em sala de aula.” 

Na prática 

Recentemente, Cristina realizou um encontro de arteterapia na escola municipal Osmar Stuart, localizada na periferia de Cachoeirinha (RS). Realizada com crianças do segundo ano do ensino fundamental, a proposta, que teve como objetivo reconexão, começou com uma contação de histórias para sensibilizar os estudantes. 

Cristina conta que foi bonito ver a evolução das crianças, que enfrentam dificuldades na aquisição da leitura e da escrita, de automutilação, além de questões familiares. Nesse contexto, a arteterapia entra como uma forma de desbloqueio, incentivando que cada uma se conecte com os próprios sentimentos e consiga expressá-los com diferentes materiais,  como a argila.   

“Sabemos que um grande número de bloqueios cognitivos ligados à aprendizagem estão ligados ao campo emocional fragilizado. Processos arteterapêuticos desbloqueiam, reestruturam e deixam emergir o melhor que trazemos dentro de nós. Além disso, estimulam a neuroquímica cerebral, gerando bem-estar e saúde”, explica Cristina. 

Passo a passo

Para aqueles que desejam realizar uma atividade de arteterapia na escola, Cristina dá algumas dicas: 

1. Coloque uma música suave;

2. Faça uma respiração profunda com a turma: puxe o ar pelo nariz e solte pela boca; 

3. Repita esse processo três vezes; 

4. Com a música seguindo, peça para que os alunos e as alunas espalhem, com as mãos, tinta sobre uma folha de papel. O aluno ou a aluna que não conseguirem fazer isso com as mãos pode realizar o trabalho espalhando o recurso expressivo com pincel;

5. Depois de pronto, numa roda de partilha, cada um expressa de forma verbal o que sentiu e o que vê nas formas que ficaram no papel.

Autora: Maria Victória Oliveira

 * Conteúdo produzido e editado pelo Porvir.

mais posts