O trabalho em grupo é uma ótima oportunidade para que os estudantes desenvolvam habilidades, compartilhem responsabilidades e aprendam a conviver de forma respeitosa. Mas para que eles tenham autonomia para desenvolver seus projetos, os educadores também precisam dedicar um tempo para organizar as equipes e construir um ambiente de colaboração na sala de aula.
Existem vários resultados que podem ser alcançados com um trabalho em grupo, mas dois deles são primordiais: aprender a escutar e aprender a falar. Essa perspectiva é reforçada pelo doutor em educação Sérgio Daniel Ferreira, diretor do Instituto CLQ, onde trabalha com formação continuada de professores e coordena projetos de tecnologia na educação.
“Se pensarmos em um projeto que as crianças irão desenvolver ao longo do ano, do trimestre ou do semestre, vão surgir algumas turbulências, seja do ponto de vista do convívio pessoal ou do desafio de resolver um determinado problema. São várias possibilidades e habilidades que estão envolvidas, mas as principais são desenvolver uma escuta atenta e uma fala que não atropele o colega”, garante Sérgio.
Para a professora Mary Sônia Dutra, que dá aulas para turmas do primeiro ao quinto ano do ensino fundamental em Parintins (AM), o desenvolvimento dessas e de outras habilidades acontece à medida que os estudantes são envolvidos e engajados em torno de um problema ou desafio. “O trabalho em grupo propõe justamente essa situação de cooperação. Se eu tenho um problema e vou discutir com o grupo, percebo que a resolução precisa ser cooperativa”. Ela ainda completa: “A habilidade que você desenvolve de entender e aceitar o outro é muito importante”.
A organização do trabalho em grupo
A partir da sua experiência, Mary diz que a organização do trabalho em grupo pode até consumir bastante tempo do educador, mas os resultados de aprendizagem e o envolvimento dos estudantes fazem valer a pena todo o percurso. “Não é apenas aquilo que o livro didático propõe. Dentro do currículo, o caminho do conhecimento começa a ganhar novas linhas”, destaca a professora. Como exemplo, ela cita um projeto que desenvolveu recentemente com uma de suas turmas.
Na aula de ciências, enquanto estudavam sobre os alimentos, os estudantes começaram a perguntar de onde vinha a cor do arroz que eles estavam acostumados a comer. “Foi aí que apareceu o colorau, um tempero típico da nossa região, que vem do Urucum”, lembra Mary. Essa curiosidade foi o ponto de partida para um projeto de investigação coletivo sobre alimentos e condimentos usados na culinária regional. “Fomos até visitar uma plantação de Urucum com eles”, conta.
Para organizar a turma em grupos e desenvolver um projeto como esse, além de partir de temas que despertem o interesse dos alunos, a professora afirma que é importante fazer combinados. “A primeira regra coletiva costuma ser o respeito”, diz Mary, ao mencionar que eles precisam aprender a lidar com divergências de ideias entre os colegas. “Costumo falar que nem sempre a ideia deles vai prevalecer, mas ela também é importante”, comenta.
Outro ponto importante para dar início a um trabalho em grupo é a própria organização das equipes. “Na construção do grupo, é importante que os estudantes saibam por que esse grupo existe”, ressalta Sérgio. Um dos caminhos para isso, conforme ele sugere, é sejam apresentadas habilidades descritivas ou exemplos de habilidades para os estudantes tentarem identificar as que têm mais e menos domínio. A partir daí, o educador pode perguntar para turma o que seria um bom grupo de trabalho. A ideia é que, juntos, eles cheguem à conclusão de que é importante unir diferentes habilidades em uma equipe.
É igualmente essencial antecipar potenciais desafios que podem surgir ao longo do percurso. De acordo com Sérgio, uma maneira eficaz de realizar isso é por meio da elaboração de rubricas. Dessa forma, os estudantes têm clareza desde o início sobre o que é esperado deles, quais são as atribuições do professor e o que deve ser gerenciado pelo próprio grupo. “Às vezes eu não sei o que o professor espera. Eu sigo em um caminho e depois me sinto mal avaliado ou injustiçado”, exemplifica. “É importante também dizer para os estudantes que fazer mais é ganho pessoal e fazer menos é uma perda pessoal”, sugere.
Ao final do processo, para complementar o processo avaliativo, os estudantes também podem fazer um registro reflexivo sobre o que aprenderam, quais foram os desafios, em quais etapas eles tiveram dificuldade, entre outros pontos.
Trabalho em grupo entre professores
Na outra ponta, Sérgio também observa que os desafios ao trabalhar em grupo não são exclusivos dos estudantes; os professores também podem enfrentar dificuldades nesse processo. Para superar essa barreira, ele propõe que os coordenadores pedagógicos promovam ações que fortaleçam a conexão entre a equipe. Durante encontros, formações ou reuniões, por exemplo, podem incentivar os professores a compartilhar suas motivações para escolherem a profissão ou revelar alguns gostos pessoais aos colegas. “Às vezes, tenho um colega que é um excelente cozinheiro ou pintor. Conhecer as histórias dos professores contribui para humanizar a equipe. Essa abordagem também pode ser aplicada com os alunos”, conclui.
Autora: Marina Lopes
*Conteúdo produzido e editado pelo Porvir.
Estimular a igualdade de gênero na escola permite que meninos e meninas desenvolvam todo o seu potencial. Mas ainda há uma série de barreiras a serem enfrentadas. Quando se fala de STEAM (sigla em inglês para ciências, tecnologia, engenharia, arte e matemática), por exemplo, o assunto ainda é distante do universo das meninas.
No Brasil, 62% das estudantes não conhecem nenhuma mulher que trabalha na área, aponta a pesquisa “Meninas curiosas, mulheres de futuro”, feita pelo projeto Força Meninas. No entanto, até 2025, serão criados 797 mil empregos em TI (Tecnologia da Informação) no país, informa o mesmo levantamento. Como os professores podem acabar com os estereótipos, estimular e capacitar a participação das meninas na ciência?
Para Débora Garofalo, professora de tecnologias reconhecida internacionalmente pelo trabalho de robótica com sucata – ela é uma das finalistas do Global Teacher Prize de 2019, tido como o Prêmio Nobel da Educação –, é preciso quebrar com a ideia, ainda na infância, de brinquedos e ferramentas só para determinado gênero. “Há um machismo estrutural dentro da nossa sociedade, mas essas dores precisam ser trabalhadas”, diz a educadora que atualmente colabora com secretarias de educação na construção de políticas públicas para democratizar o acesso à tecnologia e inovação.
O primeiro passo é criar uma aula acolhedora, na qual todos se sintam confortáveis e motivados a participar, criando estratégias para aumentar a confiança das meninas na ciência, com materiais relacionados e disponíveis de maneira igualitária entre toda a turma.
A estratégia vai ao encontro do que mostra uma pesquisa da Universidade de Houston e da Universidade de Washington, nos Estados Unidos: logo no início do ensino fundamental, muitas crianças já acreditam que os meninos estão mais interessados do que as meninas em ciência da computação e engenharia, o que pode afetar as garotas em participar das atividades sobre STEAM. Por isso, o combate aos estereótipos deve ser estimulado desde cedo.
Colocar as meninas à frente de projetos como feiras de ciências e tecnologias, para que os meninos entendam o protagonismo das colegas, também é uma recomendação de Débora.
Vale contar para a turma como no passado as meninas eram mal vistas quando desmontavam e remontavam as coisas, mas que hoje isso é sinônimo de criatividade e interesse. Colocar a mão na massa faz com que as alunas se sintam mais estimuladas a experimentar diferentes aspectos do STEAM, sugere Débora. “A robótica está presente em diversas áreas da nossa vida e muitas mulheres estão por trás disso”, reforça. Dividir com a turma exemplos de grandes mulheres na área e como essas pesquisadoras têm trajetórias inspiradoras é outro caminho que a educadora trilhava.
Com a proposta de destacar o papel de cientistas mulheres para estudantes do ensino fundamental e apoiar formação de professores na área, foi criado o projeto Menina Ciência, Ciência Menina, na UFABC (Universidade Federal do ABC), em São Paulo (SP). O curso é composto por palestras e atividades práticas, com objetivo de mostrar diferentes áreas de atuação.
“Eu sou formada em física, e muita gente entendia que a minha formação era educação física. Sempre fui uma das poucas mulheres a trabalhar em indústrias, laboratórios. Quando comecei a atuar com formação de professores, entendi que precisava fazer algo”, conta Maria Inês Ribas Rodrigues, coordenadora da iniciativa, sobre a necessidade de ampliar o debate sobre as meninas na ciência.
“As meninas são extremamente criativas. Lugar de mulher é onde ela quiser, inclusive na ciência”
Programas que apoiam a representatividade e o trabalho das garotas nas áreas científicas servem para ampliar horizontes. “Queremos que as meninas tenham amplo acesso e possam ser livres para escolher o que elas querem fazer”, comenta. “É importante que elas descubram desde cedo habilidades que talvez acreditassem que não tinham.”
As entrevistadas concordam que promover as áreas de ciências e de carreiras de exatas nas escolas gera impacto não só para a aprendizagem, como para autoestima das estudantes. Para elas, além das questões de gênero, outras frentes precisam ser observadas quando se leva o STEAM à sala de aula.
Segundo dados do Censo Escolar da Educação Básica 2023, 80% dos estudantes brasileiros estão matriculados na rede pública. “Além do gênero, quando falamos de ciências, precisamos também nos atentar às questões raciais, da presença de meninas das periferias nas ciências. São questões ainda mais sensíveis, mas para as quais temos de olhar e investir”, reforça Maria Inês.
A formação inicial e continuada dos professores também é fundamental para promover a equidade de gênero. Os educadores devem olhar para a área com mais profundidade e entender quais barreiras impedem que as meninas se aproximem das áreas STEAM, como reforçam Débora e Maria Inês.
“Temos uma grande carência na formação inicial de professores. Faltam vivências. Eles também precisam de momentos de formação em STEAM, que vem crescendo e tem o poder de ressignificar a nossa educação por meio da criatividade, dos pilares da cultura maker, da robótica”, aponta Débora. Ela ressalta que as políticas públicas devem vir acompanhadas de programas eficientes, que tragam a questão de gênero e o trabalho mão na massa diferenciado e significativo no processo de ensino-aprendizagem. “Afinal, as meninas são extremamentes criativas. E o lugar da mulher é onde ela quiser, inclusive na ciência”, completa.
Autora: Ana Luísa D’Maschio e Marina Lopes
*Conteúdo produzido e editado pelo Porvir.
As expectativas de aprendizagem têm um impacto significativo nos resultados e nas atitudes dos estudantes. À medida que os professores demonstram que acreditam no potencial de aprendizagem de cada criança ou adolescente, mais chances eles têm de obter êxito acadêmico, indicam as pesquisas na área de neurociência e educação.
Em 1968, o psicólogo Robert Rosenthal e a educadora Lenore Jacobson fizeram um estudo em uma escola primária na Califórnia (EUA) para entender como as expectativas dos professores poderiam moldar os resultados dos alunos. Depois de avaliar 320 estudantes em um teste de QI, eles informaram aos educadores que alguns deles tinham se destacado, quando na verdade todos tiveram resultados semelhantes. O resultado disso? No final do ano letivo, o grupo que eles acreditavam ter maior potencial de desempenho se sobressaiu dos demais.
“Não é apenas uma questão de expectativa, mas como ela molda o comportamento dos professores em relação aos estudantes”, explica Ernesto Faria, diretor-executivo do Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional). Se na sala de aula o educador direciona as suas perguntas apenas a um determinado grupo de alunos ou acredita que apenas alguns deles podem chegar ao ensino superior, por exemplo, isso implicitamente cria expectativas diferenciadas. “Talvez seja mais natural se apegar àquele aluno que você percebeu que presta atenção na sua aula e parece mais engajado. Mas o professor tem o compromisso de garantir a aprendizagem de todos.”
Para cultivar uma cultura de altas expectativas de aprendizagem, Ernesto enfatiza a importância de evitar estereótipos e preconceitos. Pesquisas e indicadores educacionais que associam o desempenho acadêmico ao nível socioeconômico ou à participação das famílias não devem diminuir as expectativas dos professores em relação aos estudantes. Pelo contrário, esses fatores devem servir como indicativos de que um determinado grupo necessita de mais apoio para seu desenvolvimento. “Existem contextos que fazem determinados grupos terem um desempenho mais baixo, mas isso não tem relação com a capacidade individual do estudante”, enfatiza.
O educador deve se aproximar dos estudantes e buscar conhecê-los para evitar julgamentos preconcebidos, indica Juliana Azevedo, especialista em desenvolvimento socioemocional e gerente de conteúdo do Instituto Ayrton Senna. No início do ano letivo, com a chegada de novas oportunidades e contextos, os professores devem ter cautela ao construir imagens de uma turma ou de uma criança com base nas referências de outros colegas.”É importante não vir com um rótulo taxativo”, afirma. Ela também propõe algumas reflexões: “Por que tenho uma ideia pré-concebida de um estudante? De onde isso se originou? Quando sentei para conversar com ele?”
Altas expectativas: uma via de mão dupla
E não são apenas os professores que devem alimentar expectativas em relação ao desenvolvimento da turma. “Compreendo que a alta expectativa é uma via de mão dupla. Tenho expectativas em relação ao que os estudantes irão aprender ao longo do ano. No entanto, se eu não despertar o interesse deles e não conseguir cultivar expectativas sobre o que eles irão aprender, minhas expectativas se frustram. Para mim, essa ideia envolve um alinhamento dos dois lados”, afirma Juliana.
Ela também recomenda construir uma ambiente de acolhimento, em que o estudante perceba que tem espaço para participar. “Se ele não sente isso, pode acabar se fechando. Outra coisa importante para o estudante é entender porque ele está estudando aquilo e como isso se conecta com a vida dele”, diz.
“Quando falamos de alta ou baixa expectativa, alguns alunos sequer têm expectativa. Se você pergunta para um aluno do sexto ou sétimo ano do ensino fundamental se ele acredita que vai ingressar no ensino superior, muitas vezes não é que ele não acha que vai passar, mas às vezes ele sequer pensou sobre isso ou se conectou com essa realidade”, completa Ernesto, ao destacar a importância de nutrir as expectativas dos estudantes em relação a sua jornada acadêmica.
Como equilibrar as expectativas sem nivelar por baixo
Por fim, Ernesto também destaca que os padrões estabelecidos por indicadores nacionais também não podem baixar as expectativas em relação às aprendizagens dos estudantes. Recentemente, o MEC (Ministério da Educação) definiu os critérios sobre quais aspectos definem quando um aluno está alfabetizado, mas o especialista comenta que essa barra estabelecida pode trazer desafios e limites. Ele explica: “Eles colocaram que, ao final do segundo ano do ensino fundamental, espera-se que os alunos alcancem 743 pontos na escala do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica). Se observamos a rede privada, muitas escolas estão batendo a média de 780, 790 e até 800 pontos”, comenta. Isso traria um problema ainda maior relacionado à desigualdade. “Então, estaríamos legitimando que, aos sete anos de idade, ou algo próximo disso, a rede privada estaria muito acima da rede pública. Se o mínimo virar a barra que queremos alcançar, estamos legitimando a desigualdade muito cedo.”
Autora: Marina Lopes
*Conteúdo produzido e editado pelo Porvir.