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Como fazer a documentação de projetos de desenho e pintura

O professor preparou o ambiente, propôs uma atividade, as crianças desenharam, pintaram, falaram e compartilharam sobre seus processos e sentimentos, assim como falamos aqui. Aí chegou a hora de guardar os materiais e documentar os projetos de desenho. Mas como fazer esse registro? 

Portfólios, diários de bordo, pastas, exposições, painéis, projeções podem ser caminhos para a documentação e comunicação das atividades. Mas o que deve ser considerado na hora de fazer essa coletânea? Como contar sobre as atividades dos estudantes para suas famílias e comunidade? 

O professor Paulo Fochi, estudou o tema em seu doutorado na Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo). Com o título “A documentação pedagógica como estratégia para a construção do conhecimento praxiológico: o caso do Observatório da Cultura Infantil-OBECI”, parte de sua tese dedica-se a reconstituir o pensamento do pedagogo Loris Malaguzzi a respeito da documentação pedagógica a partir dos projetos supervisionados por ele entre 1963 e 1993 em Correggio, na Itália.  

Fochi explica que, muitas vezes confundimos os termos “documentar”, “documentação” e “documentação pedagógica” e explica a diferença neste esquema abaixo: 

Esquema desenvolvido por Paulo Fochi para explicar as diferenças entre os termos “documentar”, “documentação” e “documentação pedagógica”

Pensando no conceito de documentação pedagógica, a consultora em arte-educação Diana Tubenchlack explica a origem da estratégia: “A ideia de documentação pedagógica, traz, sobretudo, a ideia de registro de um processo e ela é advinda das escolas municipais de Reggio Emilia [cidade italiana, berço da abordagem onde crianças são incentivadas a conduzir a própria aprendizagem]”.  

Diana explica que o foco da abordagem é justamente pensarmos não só no produto final de um trabalho da criança, mas em como ele foi desenvolvido. “Como que ele foi feito, quais foram as ideias, as referências que fizeram parte desse percurso, deste trajeto. É enxergar o professor como alguém que é pesquisador daquilo que ele está vivendo com fotos, pequenos vídeos. E depois pensar como que essa documentação pedagógica pode ser montada para ser apresentada junto com os trabalhos. É um assunto que vale a pena ser bastante aprofundado”, garante. 

Claudia El Bayeh Dehé é professora licenciada em Artes e aplica o conceito de documentação no dia a dia no ateliê com as crianças da Escola Concept, instituição de educação privada na cidade de São Paulo. “A documentação é essencial para que se entenda quais processos estão em andamento e quais caminhos são possíveis de seguir, e as produções das crianças são grandes indicadores dos seus interesses, perguntas e hipóteses. Também pode-se observar a mudança e ganho de habilidades técnicas e motoras que acontece quando as crianças se apropriam das linguagens. A coleção de projetos ajuda também os educadores a refletirem sobre quais possibilidades têm oferecido aos estudantes. Por exemplo, se ao final de um semestre observar muitos desenhos em papel A4, vale repensar quais outros suportes podem ser aproveitados durante os momentos de criação”, afirma a atelierista.

“A documentação é essencial para que se entenda quais processos estão em andamento e quais caminhos são possíveis de seguir, e as produções das crianças são grandes indicadores dos seus interesses, perguntas e hipóteses” 

A educadora também chama atenção para um ponto importante: “devemos lembrar dos registros de processos que podem ficar invisíveis no produto final, como uma pesquisa com materiais naturais que depois é desmanchada, ou uma pintura que acaba por ficar toda coberta por tinta”. Ela indica que o educador precisa determinar um foco de observação para o momento que está documentando e ter em mãos, sempre que possível, ferramentas de registro como papel e caneta, máquinas fotográficas e celular.  

Cláudia ainda dá uma dica que pode ajudar no processo: “O que tem funcionado para mim é gravar mensagens de áudio com as falas das crianças ou comentários meus, que depois eu escuto e anoto. É sempre bom contar com educadores parceiros que também tomam notas e que observam outras coisas, de forma a criar uma documentação mais completa.” 

Comunicando as produções das crianças 

“A gente tem que entender muito sobre documentação pedagógica para não simplesmente entender que é um compilado de desenhos, um compilado de fotos, ou um compilado de texto e foto com algumas legendas. Isso não é documentação pedagógica, porque isso não permite que o professor faça um testemunho reflexivo, para que ele possa aprender sobre a relação com as crianças”, afirma Paulo Fochi, que é professor do curso de pedagogia da Unisinos (RS). Por isso, para ele, há uma pergunta essencial a ser feita: Por que comunicar?  

Primordialmente, precisamos trabalhar numa perspectiva, que entende a responsabilidade ética da educação infantil, que é de dar visibilidade aos processos de aprendizagem das crianças. O pedagogo Loris Malaguzzi escreveu que “o que não se vê, não existe”, portanto, comunicar é de grande importância para a documentação pedagógica, pois é quando se transforma uma trajetória em que respeitam as crianças e os adultos e que foi altamente refletida em um documento aberto a constatações, diálogos e memória. Em sua tese de doutorado defendida em 2019, Fochi elenca seis pontos para pensar a comunicação dos trabalhos das crianças:  

  • O que: Escolha o tema da comunicação que será feita; 
  • Para quem: A comunicação pode estar sendo endereçada para as crianças, para as famílias ou para os próprios colegas de profissão; 
  • Com quê: Quais serão os observáveis que serão utilizados na elaboração da comunicação; 
  • Como: Qual formato e código da comunicação será utilizado; 
  • Quando: A periodicidade da comunicação; 
  • Onde: Em que espaços será comunicado. 

A comunicação pode ser a partir de um painel, de um livreto, de um portfólio temático, de uma mini-história, de uma exposição, de um vídeo ou de outros suportes que cumprem muitos papéis, dentre eles, criar uma memória pedagógica e cultural da instituição, das crianças e do professor. “Cada um desses suportes que aqui exemplifico não tem valor em si mesmo, ou seja, não se trata apenas de fazer portfólio e com isso e nomeá-lo de documentação pedagógica. A comunicação que aqui estou me referindo tem valor porque está situada em uma práxis altamente refletida e que objetiva tornar visível as aprendizagens das crianças”, esclarece. 

“A decisão de compartilhar não é apenas para evidenciar nosso respeito e amorosidade em relação às crianças. Deixar memória pedagógica sobre o que é feito nas escolas pode ser uma afirmação a respeito de um momento particular da vida das crianças em espaços institucionais. E construir a memória das crianças é também construir a memória das instituições. Tendo em vista que a Educação Infantil é uma instituição ainda recente em nossa realidade, o valor da comunicação como memória é também uma defesa na afirmação do valor político que é para as crianças desta instituição”, afirma o pesquisador em sua tese. 

Um exemplo de comunicação é o folheto “Olho de crianças: ideias e teorias”, fruto de uma investigação que as professoras do Grupo de Investigação-Ação dos Ciclos de Simbolização realizaram. 

Folheto desenvolvido pelo OBECI¹ investiga como as crianças compreendem o funcionamento do olho e do olhar

Neste folheto, por exemplo, em uma das investigações do OBECI, coordenadas por Paulo, em que se trabalhava o modo como as crianças compreendiam o funcionamento do olho e do olhar, percebeu-se que os meninos e meninas construíram algumas teorias a respeito do tema. “Logo, decidimos criar esse folheto para tornar visível, desde o ponto de vista gráfico, como das vozes das crianças, a pluralidade e complexidade de suas ideias”, exemplifica. 

 É importante destacar que, apesar da escolha desta comunicação se tratar das “teorias das crianças”, outras comunicações a respeito dessa mesma investigação poderiam ser feitas com outras chaves de leitura. 

Ao escolher comunicar as atividades para as crianças, o primeiro aspecto a ser considerado é o fato de que mostramos a elas que existe um adulto interessado no que elas têm a dizer. E esta mensagem implícita é fundamental para a criança confiar em ter uma imagem positiva de si. “Quando comunicamos, endereçando às crianças, oferecemos a elas a oportunidade de ver outra vez seu percurso, abrimos espaço para que possam compreender como aprendem, o modo como fazem e como constroem significado. Quando fazemos isso, estamos, com as crianças, colecionando exemplos particulares sobre nós mesmos, mergulhando fundo em um processo de autoconhecimento e de aprendizagem”, escreveu.

“Quando comunicamos para as famílias, não apenas mostramos o valor de um serviço educativo, mas também lhes oferecemos a oportunidade de (re)conhecer seus filhos e partir de outros olhares” 

Já quando estamos direcionando as comunicações às famílias, há diferentes funções. “Quando comunicamos para as famílias, não apenas mostramos o valor de um serviço educativo, mas também lhes oferecemos a oportunidade de (re)conhecer seus filhos e partir de outros olhares.” Umas das funções é de criar pontes para diálogos entre escola e família e subverter a lógica passiva de receber informes semestrais para uma cultura de diálogo.  

O pesquisador também destaca em seu trabalho o valor formativo que a comunicação possui para os educadores, pois, além de servir ao profissional que a elaborou, cria um testemunho pedagógico que pode migrar para outros contextos como fonte de reflexão e inspiração. “ 

Por fim, ao decidir quais materiais serão utilizados na elaboração da comunicação, além de estar atento ao endereçamento, deve se refletir o equilíbrio, a legibilidade e a expressividade do material utilizado. “Em geral, há uma forte tendência pelo uso da imagem preterindo a escrita, no entanto, é bom relembrar a advertência de Malaguzzi: ‘é mais fácil um caracol deixar rastros de onde passou do que um professor deixar marcas do seu trabalho’.”

¹ O Observatório da Cultura Infantil – OBECI é uma comunidade de apoio ao desenvolvimento profissional que nasceu em 2013, idealizada e coordenada por Paulo Fochi e que reúne um grupo de seis escolas (três  públicas e três privadas), de quatro municípios do Rio Grande do Sul (Porto Alegre, Canoas, Novo Hamburgo e Veranópolis). De forma independente a instituições universitárias, esse Observatório surgiu com a finalidade de criar um grupo de profissionais da Educação Infantil com interesse particular na reflexão e transformação de seus contextos.​ 

Autora: Mayara Penina.

* Conteúdo produzido e editado pelo Porvir.  

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