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Desigualdades de acesso e conectividade impactaram a educação na pandemia

Durante a pandemia do coronavírus, a tecnologia e a internet foram os meios que garantiram o acesso à educação. E por mais que a conectividade seja fundamental, sendo até considerada um direito humano básico pela ONU (Organizações das Nações Unidas), 17,3% dos domicílios brasileiros ainda não utilizam a internet. O dado é da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) Contínua 2019, anterior ao período de pandemia.

A inserção da tecnologia na educação é um tema antigo, mas o fechamento das escolas no início de 2020 acelerou a adoção de recursos digitais sem dar tempo ao planejamento, à formação de professores e à conscientização das famílias. É o que explica André Raabe, doutor em Informática na Educação e professor da UNIVALI (Universidade do Vale do Itajaí). “Foi tudo no improviso e muitas dificuldades surgiram a partir disso”, pontua.

Ainda que a maioria dos domicílios conte com acesso à internet, muitas vezes a conexão não é da melhor qualidade ou os aparelhos não são os mais adequados para os estudos. Segundo o Painel TIC Covid-19, pesquisa realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), com usuários de internet com 16 anos ou mais frequentando escola ou universidade, o acesso se dá principalmente pelo telefone celular (37%). O percentual sobe com o recorte para as classes D e E e chega a 54% dos entrevistados.

“As escolas públicas, na grande maioria dos municípios brasileiros, têm acesso à internet, mas é uma internet de baixa qualidade, usada muitas vezes para atividades administrativas do que para atividades pedagógicas”

O mesmo vale para as escolas. De acordo com a pesquisa TIC Educação de 2019, 99% das escolas urbanas possuem acesso à internet. “As escolas públicas, na grande maioria dos municípios brasileiros, têm acesso à internet, mas é uma internet de baixa qualidade, usada muitas vezes para atividades administrativas do que para atividades pedagógicas”, esclarece André.

A desigualdade de acesso à internet também é regional. Comparando a porcentagem de escolas com acesso à internet na TIC Educação 2019, apenas 40% das instituições de ensino na área rural possuem acesso à internet. O Censo Escolar 2020, realizado pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), também mostra uma presença muito maior de escolas com internet nas regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste, e menor na região Norte.

Os desafios de pais e professores

Ainda que as motivações econômicas sejam significativas para não haver internet em domicílios brasileiros (26,7% na área urbana e 25,3% na área rural, de acordo com a PNAD Contínua 2019), destaca-se também a falta de interesse em acessar a internet. Ou seja, muitas famílias não viam a internet como um serviço necessário para apoiar, entre outras coisas, a aprendizagem das crianças e jovens.

Daniela Costa, coordenadora da pesquisa TIC Educação no NIC.br (Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR), avalia que a desigualdade educacional não está somente no acesso à tecnologia, mas também na capacidade de pais e responsáveis mediarem essa aprendizagem remota. “Fazer chegar o conteúdo não é o suficiente. Do outro lado, precisamos ter uma criança autônoma o bastante para ler o conteúdo e aprender sozinha”, pontua Daniela.

Por isso, há um desafio para que professores desenvolvam suas competências digitais e usem metodologias adequadas para aulas remotas. “A aula expositiva, que tem algum sentido no presencial, não faz sentido na aula online. Ela é facilmente substituída por um vídeo bem feito. Não faz sentido para a maioria dos jovens, que já têm alguma fluência tecnológica”, aponta André. “Isso gera esse conflito, e o jovem não vê vantagem na educação online da forma que está sendo feita.”

Caminhos para combater as desigualdades

Lucia Dellagnelo, diretora-presidente do CIEB (Centro de Inovação para a Educação Brasileira), acredita que a tecnologia será essencial para ampliar as possibilidades de aprendizagem dos estudantes e, assim, nivelar os conhecimentos. Ela explica que será necessário ampliar o tempo de engajamento dos estudantes com ferramentas que os ajudem a aprender mesmo fora da sala de aula e levar os melhores recursos educacionais para que essa aprendizagem seja acelerada.

Para isso, é preciso que se invista na formação de professores. “Hoje existem mais de 70 mil professores no Brasil todo que fizeram a auto-avaliação de competências digitais [do CIEB] mostrando que eles ainda estão em uma fase muito inicial do uso da tecnologia”, aponta Lucia. A avaliação em questão é parte do Guia EduTec, desenvolvido pelo CIEB para diagnosticar em que nível de desenvolvimento estão os professores brasileiros. Ela pode ser realizada clicando aqui.

“Para que essas ações positivas cheguem a mais estudantes, é preciso aprimorar a conectividade, porque temos muitos alunos em diversas cidades desconectados”

A diretora também destaca a importância de oferecer formações personalizadas de acordo com o nível em que o profissional se encontra. “Geralmente as formações são todas iguais, então para alguns professores fica muito difícil, e outros que já têm um pouco mais de experiência não conseguem avançar”, completa.

Daniela acredita que essa mobilização pela educação na pandemia vai deixar uma herança, uma vez que foi possível mostrar que a educação e a escola são importantes e que as tecnologias permeiam o processo de aprendizagem. “Para que essas ações positivas cheguem a mais estudantes, é preciso aprimorar a conectividade, porque temos muitos alunos em diversas cidades desconectados”, alerta a especialista.

André acredita que uma ação fundamental é diagnosticar a situação dos alunos e das escolas, sobretudo em relação às características técnicas das conexões. “Existem municípios mais bem dotados de equipe e de recursos, e outros em que a situação é bem precária, mas no geral faltam parâmetros de qualidade que possam dar um norte para todo mundo”, aponta o professor.

Uma iniciativa que pode ajudar gestores públicos a fazerem decisões mais acertadas é o Conectividade na Educação, um portal desenvolvido pelo CIEB em parceria com o Nic.br reunindo dados e referenciais técnicos.

Autora: Aline Naomi

* Conteúdo produzido e editado pelo Porvir.

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