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Entendendo e avaliando a criatividade

Com formação em Design gráfico, desde sua graduação Thiago Gringon buscou explicações para entender como as pessoas criam. Descobriu os vínculos entre Design e Educação, se especializou em Neurociência aplicada à Educação e mergulhou nas teorias da Pedagogia. Voltou seu olhar então para o estudo da fobia criativa – o medo de criar, resultado da falta de experiências criativas, desde a infância até a fase adulta, que incentivem a confiança criativa. “Se a nossa educação é muito pautada em experiências extremamente conteudistas, voltadas para o resultado, onde sempre existe um certo a ser alcançado, desenvolvemos medos – desde o medo de olhar para a folha em branco, de misturar materiais ou de dar uma ideia diferente do seu grupo, até o medo de revolucionar a conduta de uma empresa”, aponta.

Mas, para Thiago, a criatividade não depende de algo extraordinário mas de mergulharmos num lugar mágico. Uma planilha de Excel, comenta, pode ser tão criativa quanto um quadro de Van Gogh. E exercer a criatividade independe da atuação profissional. “Não é preciso pintar uma tela nem revolucionar o mercado para ser criativo. A forma de você lavar a louça e colocar no escorredor, por exemplo, é criatividade. Todos nascemos criativos. E essa criatividade não necessariamente voltada apenas para grandes ideias, mas sim, a capacidade de exercer mudanças e causar a diferença”, comenta.

Os estudos sobre criatividade e inovação levaram Thiago a coordenar o curso de pós-graduação em Criatividade e ambiente complexo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Nesta entrevista à Revista Faber-Castell, ele aborda as definições de criatividade e como é possível avaliar criatividade, tendo como foco que é na primeira infância que a confiança criativa se fundamenta.

Foto: Marcio Mecca

Como definir criatividade?

THIAGO GRINGON – Mel Rhodes acredita que precisamos de quatro dimensões para entender a criatividade. Ou seja, olhar para quatro vertentes diferentes, que são complexas e se misturam muito: o produto criado, seja tangível ou intangível; a dimensão do processo (como as coisas são realizadas e com que recursos); a terceira dimensão fala sobre a pessoa criadora e criativa; e a quarta dimensão de Rhodes é o ambiente: tudo ao redor, o ambiente físico e o ambiente invisível, ou seja, o clima, seja o clima organizacional de uma empresa, seja o clima pró-criatividade dentro de uma sala de aula. Podemos falar que um sistema educacional mais pautado em conteúdo terá poucas brechas para a criatividade; um sistema educacional pautado na exploração proporciona um ambiente de investigações mais interessante, logo, uma criatividade que flui melhor.

A partir dessas quatro dimensões, Rhodes observa como a criatividade acontece. E refletimos: é preciso definir ou observar a criatividade? Aí há o grande paradoxo sobre o estudo da criatividade: quanto mais definimos, mais limitamos; quanto mais observamos, mais subjetivo fica. Temos que fazer esses dois contrapontos acontecerem ao mesmo tempo. Como pesquisador da criatividade eu a defino como interação com o ambiente. Ou como interagimos com o universo, com o mundo ao redor, entendendo os estímulos, compreendendo quais desafios precisamos resolver, como utilizamos os recursos, seja para expressar uma ideia, para solucionar um problema ou ajudar que um sistema mude.

E criatividade pode ser avaliada?

THIAGO GRINGON – Entendo que sim, podemos avaliar essa interação, como as pessoas estão lidando com os desafios, com as combinações de recursos, com as pressões do ambiente. Olhando para a atividade de criar, consigo determinar indicadores, ou até observáveis. Eu consigo pautar numa curva de tempo o desenvolvimento da criatividade. De uma maneira mais global, podemos medir a confiança criativa. Ou seja, se as pessoas estão interagindo, se estão mais confiantes ou menos confiantes criativamente. A principal variável, na minha visão, é a confiança, você se sentir empoderado para fazer aquilo que deseja frente ao ambiente em que está.

Foto: Rodrigo Zaim

Como estimular a criança na primeira infância a desenvolver criatividade? E quais comportamentos da criança podem ser incentivados?

THIAGO GRINGON – Para responder essa pergunta é importante entendermos o ciclo de criatividade de Ken Ronbinson, autor do livro Todos somos criativos. Ken fala que a criatividade possui um ciclo pautado em três grandes ações que podem ser estimuladas nas crianças, principalmente na primeira infância. A primeira ação é a imaginação. Sabendo que na primeira infância a criança está no auge do fantástico, precisamos incentivar sua imaginação: contar histórias, fazendo que os animais ganhem vida, que ela mergulhe no universo fantástico, que ela brinque muito, que interprete papéis. Na primeira infância a imaginação precisa ser estimulada, e sabemos que esses elementos irão compor a base de suas ideias quando ela estiver nos anos finais do Fundamental, no Ensino Médio e até na vida adulta. Se ela não imaginar na primeira infância, ela terá dificuldades de imaginar na vida adulta.

A segunda ação é a criação: a criança precisa ser estimulada a criar com as mãos e com o corpo. Rabiscar em diferentes superfícies, desenhar no papel, fazer construções. Se ela imaginou uma história, convide-a a desenhar. Por mais que sejam garatujas, faça com que ela consiga tangibilizar o que está em sua cabeça. Construir com Lego®, com massinha, com argila, com sucata, da maneira dela. Essas construções irão fazer com que ela interaja com esses recursos. Como na primeira infância está se desenvolvendo a psicomotricidade, quanto mais ela mexe com o corpo, quanto mais desenvolve sua psicomotricidade global, melhor será seu desenvolvimento da psicomotricidade fina: saber colar, cortar, escrever. A criação na primeira infância faz com que a criança explore todas as possibilidades de linguagem: cortar, colar, empilhar, brincar com música. A criação é a ação de dar formas para as ideias. Quanto mais ela explorar na primeira infância, mais elementos sobre esta ação ela vai levar para as próximas idades.

E chegamos à terceira ação, a inovação: a ação de gerar valores para o outro. Na primeira infância a criança ainda não entende perfeitamente quem é ela e quem é o outro. Mas ela pode começar a refletir sobre qual é a sua ação frente a família, aos seus bichinhos de pelúcia, aos amigos imaginários, estimulando-a a pensar no outro. Ela percebe que pode criar coisas para alegrar, para resolver um problema, para divertir outras pessoas. Incentivamos assim a criança a observar o mundo e até a ser um pouco mais empática. Ela entende que não está sozinha no mundo e que sua ação criativa pode surtir algum efeito, ela pode interferir naquele ambiente.

Foto: Marcio Mecca

Quanto ao que pode ser incentivado, sem dúvida incentivar comportamentos criativos na primeira infância é incentivar a criança a ser criança. Eu trabalho com seis comportamentos na primeira infância:

1- A iniciativa: incentivar a criança a explorar, a sair da “zona de conforto”, que ela explore o quarto, o parquinho, a sala de aula, que ela arrisque mais, que brinque bastante e enfrente os medos frente ao desconhecido que está ao seu redor.
2- O entusiasmo: a criança não só precisa enfrentar coisas novas mas experimentá-las. Experimentar novos gostos, novas roupas, novos brinquedos, novas formas de se divertir. A primeira infância é muito rica em estímulos de entusiasmo. Não há brinquedos de meninos e de meninas. Ela deve brincar com tudo, explorar e ganhar repertório.
3- A determinação: incentivar a criança a não desistir e a enfrentar as dificuldades. Essas bases da determinação irão fazer com que lá na frente essa criança não desista fácil frente aos desafios.
4- A autenticidade: a criança ainda não desenvolveu toda sua personalidade, mas podemos ajudá-la a identificar do que gosta, do que não gosta e por quê. Se no entusiasmo ela está experimentando um novo sabor, na autenticidade vamos tentar com que ela entenda porque gostou ou não desse sabor. Isso ajudará a criança a construir uma personalidade autêntica, entendendo que ela é diferente dos outros e que isso é muito bom. Ela pode ter um cabelo, um tom de pele, um olho diferente e percebe que é incrível sermos diferentes.
5- A fluência: incentivar a criança a explorar linguagens e expressões criativas diferentes. Cantar, dançar, fazer artes, o que ela quiser, explorar maneiras diferentes de se expressar.
6- A intuição: é incentivar os porquês, a percepção de mundo, a curiosidade, a investigação.

É possível avaliar sem sem classificar as crianças através de notas ou outros conceitos?

THIAGO GRINGON – Acredito que sim. Eu entendo a importância de notas, conceitos, rubricas, mas acho muito importante não comparar as crianças entre si. É preciso ajudar as crianças e principalmente as famílias a entender aquela criança individual, criando um sistema de avaliação dela para ela mesma. Eu avalio uma criança frente a alguns parâmetros e depois comparo versões dela mesma. A avaliação da criatividade está em como a criança está interagindo com o mundo. Quanto mais ela interagir, melhor. Quanto mais ela diversificar as expressões, melhor. Mas se ela só faz uma coisa, num único formato, a criatividade fica extremamente limitada, canalizada. É nesse lugar que devemos observar a avaliação da criatividade na primeira infância. Notas e conceitos são importantes para olharmos o desenvolvimento dela, para ela e para as famílias, e não para compará-la com outras crianças.

Os espaços da escola influenciam no maior ou menor desenvolvimento da criatividade?

THIAGO GRINGON – Influenciam muito. Principalmente para a primeira infância, a escola é o primeiro grande espaço fora da família. É nela que o choque de referências, de estímulos, acontece. É na escola que muitas das explorações, das expressões dessa criança se descobrir acontecem. Por mais que a família estimule, se a escola poda, ou cria ambientes mais limitados, extremamente assertivos, conteudistas, a criança perde algumas janelas de oportunidades do desenvolvimento cognitivo. Na primeira infância, a criança está criando caminhos que irão sustentar uma confiança criativa mais aflorada no futuro, e nesse sentido o espaço escolar influencia muito.

A escola deve deixar que a criança explore livremente, e apoiando suas investigações. E que seja a criança que ela deve ser, e a partir disso desenvolva a criatividade como um todo, seja comportamento, competência ou interação.

Pensar criatividade na primeira infância é pensar na criança como criança, é fazer com que ela se desenvolva plena, da melhor maneira, estimulando-a cada vez mais no tempo dela. Explorações que para nós adultos podem não fazer sentido, começarão a construir na criança o que chamamos do P de Paixão da Aprendizagem Criativa. Se ela não souber identificar curiosidades na primeira infância, não irá se desenvolver a longo prazo.

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