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Espaço comunitário espalha Aprendizagem Criativa pelo Pará

Um projeto de Aprendizagem Criativa que ganhou prêmios nacionais e que chegou até o MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), nos Estados Unidos, começou com carrinhos e balões construídos na rua, de forma coletiva, aos finais de semana. Morador de Santa Bárbara do Pará, pequeno município de 20 mil habitantes na região metropolitana de Belém, Raimundo Xavier desejava mais para as crianças da sua comunidade. “Queria algo que fosse diferente para a educação, que abrisse oportunidades, que as pessoas pudessem desenvolver habilidades que não são trabalhadas na escola”, conta o analista de sistemas e especialista em tecnologias educacionais.

No início, em 2003, dedicava-se a construir com as crianças brinquedos com os materiais baratos que encontrava, ou elementos da própria natureza. Em geral, eram carrinhos e balões.

Durante sete anos, a ideia foi conquistando não só os pequenos, mas também os adolescentes e alguns pais. Xavier sentiu que precisavam de mais espaço e usou o dinheiro do seu 13º salário para comprar um terreno em 2010, onde criou a sede para sua ONG, e hoje funciona o Espaço de Aprendizagem Criativa Ação Parceiros. Era uma mini-floresta, que depois ganhou um galpão e foi se equipando ao longo dos anos.  

No meio da rua, ou mais tarde na sede, o trabalho educativo liderado por Xavier foi sempre intuitivo. “Eu comecei a entender a educação no chão da rua, organizando o material, discutindo com outros professores, com as crianças”, conta. Porém, muitos achavam que aquilo que era feito no espaço, a construção de brinquedos, era uma “doideira”, algo muito distante da ideia que tinham de educação. Mas Xavier sentia que as crianças aprendiam muito dessa forma, com a mão na massa, experimentando, errando, refazendo, sem a necessidade de copiar no caderno e ficarem sentados enfileirados. 

“Eu comecei a entender a educação no chão da rua, organizando o material, discutindo com outros professores, com as crianças”

Divulgação / Ação Parceiros

Sempre em busca de parceiros e ajuda financeira, em 2017 o idealizador se deparou com um edital da Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa, com apoio da Fundação Lemann e do MIT Media Lab, para conhecer experiências de Aprendizagem Criativa. O projeto foi um dos oito selecionados de todo o Brasil. A partir daí, tudo o que antes era feito de forma intuitiva ganhou fundamentação teórica. “Na época não sabia o que era construtivismo, mas estava construindo carrinhos, soltando balão, explorando. Encontramos uma teoria para fortalecer nossas práticas dentro da comunidade”, diz o educador.

Ao fim de um ano de formação e uma semana de viagem para Boston, EUA, o projeto ganhou um prêmio em dinheiro, que permitiu uma renovação do espaço. “A gente criou o jardim de infância (com possibilidades para crianças explorarem o ambiente educacional de forma lúdica), a área do pensar (onde as pessoas ficam reunidas, conhecendo os materiais) e a área do explorar, uma área grande, sem divisões, para produzir de maneira orientada ou não”, conta. 

As mudanças foram entregues em 2019, quando o local passou a atrair atenção de educadores da região, recebendo visitas de estudos e grupos de professores para fazer formação. Atualmente, o espaço atende 250 crianças no contraturno da escola regular e já foi reconhecido nos prêmios Betinho de Atitude Cidadã, Movimento Natura, Biblioteca Inovadora Comunitária e o próprio Desafio de Aprendizagem Criativa. 

Compromisso com a comunidade 

Por lá, os recursos são otimizados para proporcionar experiências de aprendizagem lúdicas e significativas. Quando havia apenas um computador – e sem conexão com a internet – a saída criativa de Xavier e das pessoas que colaboram com o espaço foi fazer uma versão com peças físicas do programa Scratch. A solução mostra que nenhuma barreira é intransponível, e que preparar as crianças para programar e pensar criativamente pode estar presente em qualquer contexto. E isso ainda ajuda a promover a inclusão. 

“A gente percebeu que ajudou alguns autistas que frequentam aqui, porque o nosso papelão é colorido, eles tocam. Para alguns, esse tocar e sentir chama atenção. Eles conseguiam, às vezes, produzir seus próprios blocos. Abriu uma possibilidade fantástica”, afirma Xavier. Hoje, além dos blocos em papel, é possível usar o programa Scratch em um dos cinco computadores do local. 

O espaço também busca fortalecer a sua relação com a comunidade. No contexto da pandemia, por exemplo, muitas das famílias das crianças atendidas, que já eram pobres, começaram a enfrentar situações mais graves de falta de alimento. Buscar doações e distribuir comida passou a ser um dos trabalhos diários da associação. “Isso impacta o aprendizado. Sempre digo que a gente tem que oferecer um prato de comida, ou no mínimo um pacote de bolacha, para poder falar com as crianças”, relata Xavier. 

Inspiração para outros espaços de Aprendizagem Criativa 

A 60 km de Santa Bárbara, em Belém, a Aprendizagem Criativa também vem sendo usada nas colônias de férias do espaço Prodígio Zep Tep. No próximo ano letivo, deve começar também a oferta de um centro de estudos e lição de casa, sempre seguindo as ideias da proposta: trabalhos colaborativos, por projetos mão na massa e, claro, de maneira divertida. 

“A criança ganha autonomia para que ela faça, que ela erre e que possa aprender com os erros. Desenvolver a autorresponsabilidade é importante para formar seres humanos”

Divulgação / Ação Parceiros

“Quando ouvi o Xavier palestrando sobre Aprendizagem Criativa, logo percebi que casava muito bem com o que eu pensava sobre educação. Eu fui para conhecer, ver como funcionava”, conta Eliana Rocha da Costa, fundadora do Prodígio Zep Tep.

Eliana gostou do que viu e percebeu que se trata de uma educação profundamente transformadora. “Ela tem o potencial de mudar a estrutura social e a própria pessoa, porque parte da ideia de que a criança já é detentora de conhecimento, que ela traz sua criatividade como um instrumento de aprendizagem”, afirma.

Por mais que a escala ainda seja pequena, Eliana acredita que os esforços atuais são como “sementes que estão sendo plantadas” – e espera por bons frutos. “A criança ganha autonomia para que ela faça, que ela erre e que possa aprender com os erros. Desenvolver a autorresponsabilidade é importante para formar seres humanos”, conclui. 

Autora: Luciana Alvarez

* Conteúdo produzido e editado pelo Porvir

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