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Fotografia na escola estimula curiosidade e constrói autoestima

Com celulares em mãos, adolescentes e até mesmo crianças estão acostumados a tirar fotos e mais fotos diariamente. Ainda que seja algo do cotidiano, a fotografia na escola pode ser usada de formas criativas, tornando-se um instrumento para despertar o espírito investigativo, explorar espaços e também como uma forma de expressão. Para isso, é preciso sair do lugar comum das selfies; cabe aos educadores fazer provocações e lançar desafios. 

“Fotografia precária de gambiarra” é o nome de um projeto que mostra para estudantes de escolas públicas do Rio de Janeiro como fazer fotografias em lata e revelar em papel. Mesmo com acesso à facilidade da foto digital, fazer a imagem em uma pequena lata escura encanta a todos, garante Maria Priscila Pessanha de Castro, professora de física da Universidade Estadual do Norte Fluminense e idealizadora do projeto. “A criançada fica enlouquecida. É muito engraçado e frequentemente ouvimos: é mágica?” Com as aulas, eles aprendem que se trata de ciência. 

Para entender como funciona o processo de revelação, confira a explicação do Manual do Mundo:

A ideia da fotografia de gambiarra nasceu em 2012, do encontro de Maria Priscila com a professora de geografia Elis Miranda. “Ela é de Belém e queria mandar um cartão postal de Campos de Goytacazes (onde fica o campus da universidade), mas me disse que não encontrava”, lembra a física. Como a fotografia em lata exige um tempo de exposição de no mínimo 20 segundos, o ideal é fazer imagens de coisas que fiquem imóveis, como paisagens, patrimônio histórico, equipamentos culturais. 

Um projeto desse tipo facilmente se torna multidisciplinar. Para começar, a fotografia na lata e sua revelação mostram na prática alguns conceitos de física, química e até matemática. “Dá para abordar semelhança de triângulos na captura de imagens”, cita Maria Priscila. Mas além de trazer aplicabilidade para uma série de conteúdos das ciências da natureza, a escolha do que vai ser fotografado pode incluir elementos de história, geografia e até literatura. 

Com uma turma, Maria Priscila usou um livro de um autor da cidade, que descrevia um palacete da região. Os estudantes foram ao local fazer as imagens e comparar com as descrições. “Esse tipo de trabalho envolve até questões de autoestima. O transporte público é muito ruim e muitas pessoas das regiões periféricas acabam não conhecendo a cidade. Eles ganham acesso a outra perspectiva da própria cidade”, afirma.

“A criançada fica enlouquecida. É muito engraçado e frequentemente ouvimos: é mágica?”

Em mais de dez anos de experiências, o “Fotografia precária de gambiarra” já contou com financiamento do Capes e hoje é um programa de extensão da universidade. Recentemente, bolsistas desenvolveram um revelador e papel fotográfico “caseiros”, como forma de baratear os custos – e há outras novidades sendo desenvolvidas.  

Mas um dos maiores ganhos, defende a professora, é o de cidadania. “Sei de três estudantes que se tornaram fotógrafos profissionais. Eles também passam a conhecer a universidade e sentem-se capazes de tentar uma vaga. Teve um ano em que sete meninas que participavam do projeto foram aprovadas em universidades públicas”, comemora Maria Priscila. 

Fotografia na escola: uma ferramenta de expressão

A fotografia também pode ser usada para expressar a visão do estudante sobre a própria realidade, ou até como uma forma de desenvolver a criatividade e desafiar padrões estéticos estabelecidos.

Lucas da Silva Ferreira, pedagogo e geógrafo, começou a se interessar por fotografia como forma de estudo da paisagem. A primeira vez que levou a fotografia para seus estudantes foi em 2015, com turmas de ensino médio, como uma forma de explorar os conceitos de topofilia (vínculo afetivo positivo em relação a um lugar) e topofobia (aversão a um lugar). “Pedi que, dentro da escola, os estudantes retratassem lugares topofílicos e topofóbicos. Percebi que os espaços que consideravam prazerosos eram espaços sem a presença de professores ou autoridades”, conta. 

Somado ao fato de terem colocado em prática um conceito da geografia, usar a fotografia permitiu que os estudantes se expressassem com mais liberdade. “Foi triste chegar a essa conclusão (de que os espaços que gostam são os sem equipe escolar), mas é uma informação importante para se refletir. O projeto em si foi muito legal”, diz o professor. 

Trabalhando com alunos mais novos, em uma escola de ensino fundamental da rede municipal de Porto Alegre, o docente aproveitou a fotografia num projeto pelo Dia da Consciência Negra. Uma colega da área de história estava trabalhando com um livro de poesias de autores negros, e Lucas notou uma nova oportunidade. “Quando li as poesias, logo percebi que elas poderiam ser associadas a imagens”, diz.

“Alunos que participaram diziam que não conseguiam se ver como bonitos, que tinham vergonha porque as fotos depois seriam expostas. Mas o feedback de todos na escola foi ótimo, todos dizendo como as fotos ficaram lindas”

Para “traduzir” os textos em fotos, os alunos tiveram que explorar seus repertórios, debater suas ideias e, claro, desenvolver soluções criativas para chegar aos resultados desejados: adaptar uma sala da escola como estúdio, produzir figurinos e efeitos visuais. 

Como todos os poemas abordavam questões da negritude, os modelos das fotos tiveram que ser alunos negros, algo que também produziu vários aprendizados para todos os envolvidos. “Alunos que participaram diziam que não conseguiam se ver como bonitos, que tinham vergonha porque as fotos depois seriam expostas. Mas o feedback de todos na escola foi ótimo, todos dizendo como as fotos ficaram lindas”, conta Lucas. 

A valorização da diversidade, a afirmação de identidades e o aumento da autoestima são questões complexas, que não se encerram em um projeto, mas o trabalho com fotos pode contribuir para elas. “Vejo como uma sementinha que foi plantada”, acredita o professor. 

Autora: Luciana Alvarez

* Conteúdo produzido e editado pelo Porvir.

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