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Leitura na infância: como escolher livros para educação infantil

Aos 5 anos, as crianças da EMEI (Escola Municipal de Educação Infantil) Arco Íris, em Lagoinha (SP), têm em comum o gosto pela literatura. A professora Bruna Regina Leite de Moraes passou os últimos meses lendo com a turma três volumes do Diário de Pilar (Flávia Lins e Silva e Joana Penna, Editora Pequena Zahar), cada um com cerca de 200 páginas. Era um capítulo por dia de leitura, e as crianças saiam da atividade ansiosas pelo dia seguinte, imaginando os caminhos que a história ainda percorreria.  

Prender a atenção, estimular a imaginação, despertar sentimentos e emoções são alguns dos potenciais que a leitura traz para a sala de aula. Os livros infantis transportam os leitores para o universo da fantasia. A literatura, com seus autores, personagens, estilos e ilustrações, amplia a visão de mundo, impulsiona a criatividade e favorece o desenvolvimento da linguagem. Desde a primeira infância, ela é recomendada como uma das formas de enriquecer a vivência das crianças. “A leitura não deve ser banalizada. Não é só um livrinho, uma história. Ela tem um sentido. Aqui na escola é uma atividade diária e consistente”, explica Bruna.

“A leitura não deve ser banalizada. Não é só um livrinho, uma história. Ela tem um sentido”

Para a Comunidade Educativa CEDAC, a leitura é patrimônio de cada cidadão. Há dez anos, a organização realiza o projeto  Pequenos Leitores, que forma educadores para a garantia do direito à leitura desde a primeira infância. A diretora executiva, Patrícia Diaz, explica que a formação de leitores na educação infantil começa com a escolha de um acervo que combina dois eixos fundamentais: qualidade e diversidade. 

Livros que desafiam e instigam

O primeiro critério de qualidade é medido pelo desafio que o livro propõe ao leitor. “Aquele livro que não traz novidade, que tenha conteúdo simplificado ou infantilizado deve ser descartado. Esse tipo de material não aposta na inteligência da criança. Um bom livro instiga o leitor, provoca a ir além do conhecido”, explica Patrícia. 

O segundo critério importante é ter um cuidadoso projeto editorial e gráfico. E para avaliar este ponto é preciso observar elementos como escolha do título, ilustração, tamanho, formato e cores utilizadas. Um bom projeto gráfico foge dos estereótipos e é fácil de ser apreciado. O enredo da história, a construção da narrativa, a linguagem e os vocabulários também devem ser considerados para avaliar a qualidade da obra. 

Patrícia avisa que o eixo da qualidade é pensado considerando o conceito do que é criança, conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, a BNCC (Base Nacional Comum Curricular), entre outras referências. “São vários os documentos e as referências que temos hoje que colocam a criança num lugar de potência, como um sujeito de direitos e que está no mundo para ser respeitada e acessar o que há de melhor no patrimônio da humanidade”, disse a diretora executiva da CEDAC. 

Livros de diferentes autores, estilos e gêneros

Nós somos pessoas diversas e lemos com propósitos variados: para se informar, para entreter, para se emocionar. É por isso que o eixo de diversidade é indispensável na construção de um bom acervo literário para a educação infantil. A leitura se enriquece quando ela percorre diferentes gêneros e estilos de texto, como contos, fábulas, poesia, crônicas, quadrinhos. 

É fundamental apresentar às crianças uma variedade de autores, considerando os nacionais (de diferentes regiões do país) e internacionais, tradicionais ou contemporâneos, renomados ou periféricos. “Também é muito interessante apresentar vários livros do mesmo autor para que a criança comece a identificar o estilo de cada um. Isso vai ajudá-la a construir um repertório de preferências”, explica Patrícia Diaz.

“Também é muito interessante apresentar vários livros do mesmo autor para que a criança comece a identificar o estilo de cada um”

A professora Bruna Regina, da EMEI Arco Íris, costuma realizar percursos literários baseados em autores, no qual apresenta às crianças diversas obras de um mesmo escritor ou ilustrador. “As crianças gostaram tanto da obra da Eva Furnari que nós escrevemos juntos um e-mail para ela para contar a nossa admiração”, disse. 

Ainda dentro do eixo de diversidade, é importante garantir representatividade de gênero, raça e etnia, e também acessibilidade. Isso enriquece o acervo e garante que a diversidade de crianças da comunidade escolar possa se identificar com as obras apresentadas. 

Construindo futuros leitores

Com o acervo montado, é possível pensar em como apresentar os livros para crianças que ainda estão iniciando o processo de alfabetização. Para Bruna, fazer um planejamento detalhado é essencial. Ela, por exemplo, escolhe o livro que será trabalhado com a turma e estuda bem a obra e seu autor. Com post-its, ela anota os momentos de pausa durante a leitura e separa as perguntas que fará para provocar o diálogo entre as crianças. “Esse planejamento é fundamental para garantir a boa compreensão da criança. Vai ajudar a fazer com que ela solte a imaginação, antecipe o porvir e reflita sobre a história”, diz a professora. 

“O momento mais importante para formar leitores é o pós-leitura. É nessa hora que o leitor vai ser provocado a refletir sobre o que foi lido. A gente orienta que os professores deixem que as crianças falem livremente sobre a obra num primeiro momento e depois façam alguns direcionamentos para provocar a reflexão”, indica Patrícia, ressaltando que a leitura deve acontecer num momento nobre do dia, de preferência sempre no mesmo horário, evitando os períodos nos quais as crianças estão dispersas ou cansadas. 

“A criança adquire o comportamento leitor na escola e o estende para a família”

Além disso, deixar parte do acervo às mãos das crianças faz com que elas ganhem intimidade com os livros e tenham autonomia para fazer suas escolhas. Bruna está sempre mudando os livros na prateleira da sala, de acordo com o tema, gênero ou autor trabalhado. Todas as sextas-feiras, seus alunos escolhem livros da prateleira ou na biblioteca da escola e levam para ler em casa no fim de semana. “A criança adquire o comportamento leitor na escola e o estende para a família”, diz Bruna. Uma vez por mês, as famílias também são convidadas a participar da leitura na escola. “Eles escolhem o livro e ditam o convite, eu escrevo e imprimo. Depois eles entregam para as famílias. A participação dos pais e cuidadores tem sido excelente”, relata a professora. 

Pelas práticas de Bruna e da EMEI Arco Íris é possível perceber a potência de explorar a literatura na educação infantil. Com um acervo de qualidade e diverso, contato estreito com os livros e envolvimento das famílias, a leitura ganha espaço na vida e no coração da comunidade escolar e favorece o conhecimento de mundo, o respeito aos seres humanos e animais, desenvolve a linguagem e favorece a imaginação. Os resultados são colhidos no presente e no futuro. “Quando essas crianças chegam ao fundamental, elas já têm um repertório de escrita e referências quando vão produzir seus próprios textos”, afirma Patrícia. 

Autora: Andressa Basilio

* Conteúdo produzido e editado pelo Porvir.

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