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Por que a criatividade é uma competência tão importante no mundo contemporâneo?

A criatividade envolve um conjunto de processos psicológicos e sócio-interacionais complexos e, ao mesmo tempo, comuns para todas as pessoas. Essa breve reflexão apresenta alguns destes processos, porque eles são importantes para a inovação, e como podemos desenvolver a criatividade na escola e nos ambientes de trabalho.

Iniciando pelo valor da criatividade, Rafael Parente (2020) observa que o Comitê de Educação Cultural e Criativa (Reino Unido) define este processo como uma “atividade imaginativa planejada para produzir resultados originais e valorosos” (p. 3). Essa breve definição já aponta para dois aspectos importantes do papel da criatividade na criação de futuros, na resolução de problemas complexos e na inovação.

Primeiro, a criatividade é sustentada pela IMAGINAÇÃO, nossa capacidade de ficcionar o mundo das realidades concretas e objetivas, e de produzir versões alternativas da realidade através da fantasia e da contínua reinvenção do porvir. Nada alimenta mais a emergência do novo e a inovação do que nossa capacidade de criar futuros possíveis através da imaginação.

“Nada alimenta mais a emergência do novo e a inovação do que nossa capacidade de criar futuros possíveis através da imaginação”

O segundo aspecto importante dessa definição é que a inovação, seja tecnológica ou educacional, progride na medida em que agregamos um VALOR ÚNICO às nossas criações; ou seja, na medida em que uma tecnologia ou nova abordagem didática impacta de tal forma um grupo de pessoas, que elas mudam radicalmente seus comportamentos em função da coisa criada.

Dada a importância da criatividade para o desenvolvimento das pessoas e das sociedades, precisamos entender melhor os processos envolvidos em sua emergência e manutenção, além de oferecer orientações sobre como os educadores podem apoiar os estudantes no desenvolvimento de competências criativas.

Lembro que a criatividade não é um traço inato de personalidade ou um “dom”, mas um aspecto do comportamento comum a todos nós. Mas, se é assim, por que algumas pessoas parecem mais criativas que outras? Porque a criatividade é um fenômeno intersubjetivo e relacional (Pinheiro & Simão, 2021) que emerge em ambientes favoráveis à co-construção. Portanto, a criatividade emerge melhor em rede, em um sistema de relações humanas orientadas para objetivos comuns. Infelizmente, nem sempre encontramos ambientes assim na escola, no mundo profissional ou nas nossas relações cotidianas.

“Lembro que a criatividade não é um traço inato de personalidade ou um “dom”, mas um aspecto do comportamento comum a todos nós”

Mas, é possível reconstruir esses espaços a fim de exercitar o potencial criativo dos estudantes e educadores na escola, dos profissionais nas organizações, de todas as pessoas em geral nas suas atividades cotidianas? As pesquisas do Laboratório de Estudos sobre Dialogismo, Experiência Estética e Criatividade (DEC) da UFPE, coordenado pela professora Marina Pinheiro, mostram que sim. Para isso, precisamos implementar mudanças culturais na educação, em pelo menos quatro direções:

1. A criatividade depende de um processo psicológico chamado PERSPECTIVAÇÃO, a capacidade de entender a forma como as outras pessoas vêem o mundo. Premissa comum nas práticas de Design Thinking, precisamos exercitar a perspectivação enquanto disposição para descentralizar decisões, navegar por diferentes papéis sociais, e construir relacionamentos interpessoais mais afetivos entre as pessoas.

2. Se conseguirmos realizar o proposto no item anterior, criamos as condições para o segundo componente básico para o exercício da criatividade: a CONFIANÇA. Todo processo criativo, assim como a inovação da qual é um traço necessário, requer lançar-se para desafios ainda não completamente mapeados e, portanto, enfrentar riscos no desconhecido. Fazemos isso muito melhor quando estamos em um espaço seguro, em situações de co-construção com pessoas nas quais confiamos, livres de censura prévia.

3. O ato criativo depende também de nossa POTÊNCIA METAFÓRICA, a capacidade de transitar por diferentes campos do conhecimento e da atividade humana, fazendo com que ideias em um ou mais campos informem de maneira combinada a criação de soluções em outro. A metáfora nos liberta do campo imediato da ação e de interpretações literais do mundo, para desenhar soluções inovadoras inspiradas em combinações singulares de cenários diversificados. Por exemplo, e se os livros saíssem do espaço da biblioteca e ocupassem os corredores da escola, expostos em prateleiras, como os produtos para consumo em um supermercado?

4. Todos esses processos ganham vida no contexto de um JOGO ESTÉTICO que, como nas artes, incentiva a coexistência de afetos opostos e gera descontinuidades e rupturas em relação à ordinariedade da vida. Os processos criativos são, conforme já indicado anteriormente, disparados pela imaginação que busca romper a mesmice de nossas práticas cotidianas, fazendo-nos sempre perguntar: “E se?” e “Por que não?”. Por exemplo, por que não transformar as paredes da escola em vitrines permanentes dos desejos e das criações dos estudantes e educadores, desde a educação infantil até o ensino médio?

Para finalizar, seguem algumas recomendações para atuação dos educadores na escola, interessados em promover o exercício da criatividade: (1) Construir modos de aprendizagem fundados na autoria e na tomada de posição; (2) Prover ambientes de acolhimento afetivo; (3) Enfatizar situações colaborativas orientadas por interesses comuns de resolução de problemas complexos; (4) Incentivar o papel da literatura e das artes, pois ali residem muitas das metáforas de nosso tempo.

Só a criatividade e a inovação darão conta dos grandes desafios que temos à nossa frente!

* Conteúdo produzido e editado pelo Porvir.

LUCIANO MEIRA

Ph.D. em educação matemática pela Universidade da Califórnia (Berkeley/EUA, 1991), mestre em psicologia cognitiva e bacharel em pedagogia. Atua como professor adjunto de psicologia na Universidade Federal de Pernambuco, professor colaborador da Cesar School (Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife) e Coordenador de Ciência e Inovação da Joy Street, uma empresa de tecnologias educacionais lúdicas da qual é sócio-fundador no Porto Digital. Luciano também é Lemann Fellow, através da Stanford University na qualidade de Visiting Scholar no Lemann Center for Educational Entrepreneurship and Innovation in Brazil, e Sócio Efetivo do movimento Todos pela Educação.

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