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Por uma infância escrevivente: práticas de uma educação antirracista

Reconhecida pelo Ministério da Educação (MEC) como escola inovadora, o  Centro Municipal de Educação Infantil Dr. Djalma Ramos – CMEI está localizado em Lauro de Freitas, na Bahia, e atende 130 crianças do berçário ao grupo 5, em tempo integral. Ao longo de uma década, a instituição está construindo uma proposta pedagógica voltada para a educação antirracista, cujas proposições trazem experiências afro-brasileiras, africanas e afrodiaspóricas.

Em 2019 participamos do edital Equidade Racial na Educação Básica, promovido pelo Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdade -CEERT. Fomos selecionados com o projeto Por uma infância escrevivente: práticas de uma educação antirracista.  

A pergunta norteadora do nosso projeto foi: “Pode a infância negra ser feliz?”

Para responder a essa pergunta e a tantas outras, realizamos diversas oficinas, seminários e algumas publicações, dando origem a coleção Por uma infância escrevivente, que contém um livro de memórias, um caderno metodológico e um livro infantil, além do e-book Sabores e Saberes Arte Culinária Afro-Brasileira. Todos os materiais podem ser baixados gratuitamente aqui.  

Neste artigo, vamos destacar o processo de autoria das nossas crianças na produção coletiva do livro infantil O Sonho de Ayo. O conteúdo e as ilustrações foram criadas a partir da oficina Africanidade na oralidade, realizada com 13 crianças de 4 e 5 anos de idade e que teve abordagem afrocentrada, lúdica, imaginativa e criativa. 

Espaço afroafetivo

Nos muitos encontros que fizemos para a produção do livro, as crianças tiveram contato com inspirações literárias, biografias de personalidades negras, brinquedos afirmativos e bonecas e bonecos negros, tudo a fim de instigar a imaginação infantil. 

A nossa escola considera os afroambientes¹ como lugares de diálogo com a ancestralidade. Assim, todo o processo começou com a organização dos espaços, brinquedos e materiais. Decoramos a sala com tecidos e artes da cultura afro-brasileira, dispomos de bonecos que contemplavam a diversidade étnico-racial, além de livros de literatura infantil afro-brasileira, imagens e fotografias de personalidades negras.  A cada encontro, as crianças eram recebidas nesse clima afroafetivo, regado a canções africanas.

Num primeiro momento, fizemos uma roda de diálogo e acolhimento para apresentar para nossas crianças a proposta de trabalho. Utilizamos fantoche da boneca de pano representando a escritora Carolina Maria de Jesus e fizemos a contação da história A descoberta de Bitita, produzida pela professora Noêmia Verúcia e ilustrada pelas crianças do nosso CMEI. Essas foram estratégias para desenvolver a imaginação e a criatividade das nossas crianças. Também fizeram com que elas se familiarizassem com produções literárias para que posteriormente conseguissem produzir suas próprias histórias. 

Em um dos encontros, a fantoche da boneca Carolina participou trazendo uma convidada muito especial para a roda de diálogo: a boneca Elza, que representava Elza Soares. Durante as oficinas as crianças estavam sempre muito alegres, envolvidas, participativas, dialogando com os elementos apresentados com muito afeto e ludicidade. Ao final de cada encontro, pedíamos que elas desenhassem o momento vivenciado. 

Protagonismo infantil

A partir do segundo encontro, trouxemos para a roda de diálogo todos esses elementos apresentados para coletivamente construirmos a narrativa da história. Foi quando o protagonismo infantil tomou conta das nossas oficinas e as crianças viraram verdadeiros autores.

Num processo bastante autônomo e criativo, O sonho de Ayo foi tomando forma, baseado nos centros de interesse do universo infantil. Por isso, a história conta com elementos brincantes, festa de aniversário, muita cor, tal como é a imaginação da criança. 

A ilustração do livro infantil também foi um processo coletivo, no qual cada criança ilustrou e colaborou com a construção artística da obra, a partir de referências que apresentamos a elas. Ressaltamos que toda produção teve muita liberdade, autonomia e criatividade.  Foi no último encontro que realizamos a escolha do nome da história, um momento divertido, espontâneo e criativo.  

Para continuarmos conversando salientamos que a nossa prática pedagógica ancora-se no livro Descolonização e educação: diálogos e proposições metodológicas, de Narcimária Correia do Patrocínio Luz. Seguimos lutando pelo que há de mais belo e justo: o direito de SER e EXISTIR das nossas crianças. Agradecemos a elas por vivenciarem conosco tantas  experiências de felicidade.

¹ Conceito construído pela professora Cristiane Melo em sua dissertação de mestrado intitulada Escrevivendo-me negra: práticas pedagógicas afrofemininas.

* Conteúdo editado pelo Porvir.

Sobre as autoras:

Fátima Santana Santos, filha de Maria da Conceição Santana, mestra em Ensino das Relações Étnico-Raciais e em História. Atualmente é coordenadora pedagógica do Centro Municipal de Educação Infantil Dr. Djalma Ramos. Coordenou o projeto Por uma infância escrevivente: práticas de uma educação antirracista. Foi ganhadora do Prêmio Arte na Escola Cidadã (2015). Participa atualmente do grupo de pesquisa Lêtera Negra (UFSB) e da Rede de Etnoeducadoras (UNIRIO).

Mabian Ribeiro de Oliveira, mãe de Isabela. professora de profissão e coração, formada pela Universidade Federal da Bahia, especialista em Gestão e coordenação pedagógica. Atua como professora no CMEI Dr. Djalma Ramos, fez parte da equipe de trabalho do projeto Por uma infância escrevivente: práticas de uma educação antirracista.

Noêmia Verúcia Almeida Pereira, filha de Vivaldo Pereira e Maria de Lourdes Almeida Pereira, formada em pedagogia e especialista em Gestão e no Ensino da Matemática. Recebeu o prêmio Professores do Brasil com o projeto Carolina Maria de Jesus: uma história para aprender desde bebê, realizado com a turma do berçário da CMEI Dr. Djalma Ramos, onde é professora. Fez parte da equipe de trabalho do projeto Por uma infância escrevivente: práticas de uma educação antirracista.

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